Orgulho LGBTQIA+

LGBTs Sem Terra ressaltam importância do mês de junho e luta pela diversidade

As LGBTs do Coletivo Sem Terra também apontam avanços nos debates de gênero e cobraram justiça para o assassinato de camponês no Paraná
LGBTs do Coletivo Sem Terra durante mobilização do último 17M, por vida, vacina e trabalho. Foto: MST

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Junho é o Mês do Orgulho das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer e intersexo e outras (LGBTQI+), mas no Brasil atual não há muito o que comemorar nesta data quanto aos direitos e a garantia de vida desse público, devido à política de morte do governo federal que tem promovido um desmonte das políticas públicas desse grupo social. Além disso, o próprio presidente da República do Brasil ataca constantemente a comunidade de LGBTQI+, de forma simbólica em seus discursos, ao disseminar e reforçar pré-conceitos e incentivar a violência física contra as pessoas LGBTQI+.

Diante disso, a data adquire importância ainda maior para a comunidade LGBTQI+ na luta pela garantia de vida e de direitos básicos, como o direito ao reconhecimento do nome social, atendimento de saúde, entre outros. O que também torna urgente e fundamental a unidade dos movimentos e organizações populares em torno de pautas comuns sobre os direitos dessas populações.

O Mês do Orgulho LGBTQI+ foi criado para comemorar a diversidade e dar visibilidade às demandas por direitos. A data é marcada pelo episódio conhecido como a Revolta de Stonewall. O fato ocorreu em 28 de junho de 1969, quando a polícia dos Estados Unidos, invadiu o bar Stonewall, em Nova York para reprimir o público LGBT, que usava o local como ponto de encontro da população LGBT. Naquele dia, as pessoas no bar resistiram à força policial, acendendo o estopim para um levante a favor dos direitos da comunidade e transformou o mês de junho num marco histórico.

No último 17M, participantes de movimentos e organizações LGBTQIA+ estenderam faixa em frente do STF, em Brasília. Foto: MST

O MST ao longo dos anos vem realizando debates sobre a diversidade sexual e de gênero, além de criar o Coletivo LGBT Sem Terra, que busca envolver toda base social no debate e na superação de preconceitos que ainda persistem na sociedade, e avançar na participação e luta por direitos das pessoas LGBTs.

A dirigente estadual do Coletivo LGBT Sem Terra no Ceará, a LGBT Sem Terra Irineuda Monte Lopes, explica que no cenário atual do país, com um governo misógino e homofóbico, que ataca a comunidade LGBTQI+ de várias formas, a data do mês de junho é simbólica para as pessoas LGBT Sem Terra.

“Embora nós, enquanto coletivo, tenhamos apenas seis anos de existência, a data é simbólica no sentido da visibilidade e da construção dentro do MST. Hoje nós somos LGBT Sem Terra, e isso tem um sentido não apenas de símbolo, mas além da identidade Sem Terra. Somos também LGBT, nossos armários foram abertos e hoje não precisamos esconder nossa identidade para atuar na luta pela terra e pela Reforma Agrária”, pontua ela.

Irineuda Monte Lopes, do Coletivo LGBT Sem Terra no Ceará. Foto: Arquivo pessoal

Irineuda tem 36 anos e mora em Fortaleza/CE. Ela participa do MST desde criança, quando tinha quatro anos de idade e sua família foi participar da primeira ocupação do MST no estado. A ocupação ocorreu em 1989, na fazenda Reunidas de São Joaquim no município de Madalena, que hoje abriga o assentamento 25 de Maio.

Luta pelo direito de existir

Segundo Irineuda, nesta data o Coletivo LGBT Sem Terra comemora a sua construção, por ser parte da estrutura organizativa do MST, se tornando uma importante instância de debate da diversidade sexual e gênero que tem agregado muitos frutos ao programa de Reforma Agrária Popular. Porém, é necessário seguir lutando na sociedade pelo direito a existência.

“Entre as nossas principais reivindicações, a primeira é de existir, já que estamos falando do país que mais mata LGBTs; junto com a essa pauta da existência e resistência, pedimos justiça e que os assassinos que tiram a vida de tantas LGBTs sejam punidos”, defende.

Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) do ano passado evidenciam que a pandemia do novo Coronavírus impactou drasticamente a vida das pessoas LGBTIs. Os números preliminares revelam que 94,8% da população transexual afirma ter sofrido algum tipo de violência motivada por discriminação devido à sua identidade de gênero. Ao serem perguntados sobre suas principais necessidades, o direito ao emprego e renda aparece com 87,3%, seguido do acesso à saúde, educação, segurança e moradia. Além disso, 58,6% declarou pertencer ao grupo de risco para a Covid-19.

Nesse contexto, o LGBT Sem Terra Thaisson Rodriguês de Campos, que participa da coordenação estadual do Coletivo LGBT Sem Terra no Paraná e é coordenador de núcleo de base, aponta que além das pautas gerais do Coletivo LGBT Sem Terra e as diversas ações de visibilidade da comunidade LGBTQIA+, realizadas pelo país durante todo mês de junho, este também é um momento para prestar homenagem e cobrar justiça ao assassinato do LGBT Sem Terra Lindolfo Kosmaski, que ocorreu no dia 1 de maio deste ano no Paraná.

“As reivindicações que marcam essa data para nós do Coletivo LGBT Sem Terra, além das pautas gerais, lembram a memória do Lindolfo, que foi um militante, gay, professor, e foi assassinado brutalmente. No próximo dia 28 vão acontecer ações por todo Brasil de plantio de árvores em memória de Lindolfo e também em memória de outros LGBTs, que também foram assassinados pela violência do capital e do latifúndio”, denuncia ele.

Thaisson Rodriguês de Campos, do Coletivo LGBT Sem Terra no Paraná. Foto: Wellinton Lenon

Thaisson tem 24 anos e vive no Acampamento Maila Sabrina, no município de Ortigueira/PR, onde participa da coordenação de um dos núcleos de base do acampamento. Ele se reconhece como transexual, negro e é acadêmico do curso de graduação em ciências sociais e humanas, pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Ele iniciou a sua militância no MST a oito anos, em 2013, ao chegar no Acampamento Maila Sabrina e se integrar ao setor de produção do acampamento, participou do setor de formação do MST e hoje também integra o Coletivo de Juventude, além do Coletivo LGBT Sem Terra no estado.

Avanços do Coletivo LGBT Sem Terra

Em relação aos debates e ações do Coletivo LGBT Sem Terra no MST, Irineuda aponta alguns avanços na construção do coletivo, ao reafirmar a diversidade presente no campo e possibilitar a formação para uma atuação mais qualificada.

“Ao longo desses anos tivemos alguns avanços, a construção do Coletivo LGBT nacional e também nos estados, sendo que nas direções estaduais existem sempre pelo menos um LGBT que faz parte. Outro avanço são os cursos de formações para os LGBTs, que possibilita a nossa formação e atuação de forma mais qualificada dentro e fora do MST. Temos ainda como avanço a construção do Coletivo LGBT da Via Campesina Brasil”, relata ela.

Para Thaisson, é importante frisar que as reflexões sobre a questão LGBT no MST estão em construção, na medida em que possibilitam aliar a luta pela Reforma Agrária a um olhar para a integralidade do ser humano, considerando a diversidade sexual, de gênero e afetiva. “Esse já é um avanço, dar visibilidade à própria vida das LGBT Sem Terra dentro do MST. O acolhimento e o avanço também é formativo do conjunto do movimento quando assume esse debate. É uma pauta que também diz respeito à Reforma Agrária Popular, porque diz respeito às relações de um território, às relações humanas, a projeção de uma nova sociedade, livre de opressão e discriminação”.

Thaisson chama atenção que o debate sobre os/as sujeitos/as LGBTs no MST também tem sido importante para avançar no enfrentamento das mulheres contra o patriarcado, que também refere-se aos sujeitos LGBTs, reforçando a unificação desses sujeitos no combate ao patriarcado e a LGBTfobia. Além de estabelecer novas relações com outros movimentos e organizações LGBTs do campo progressista.

Desafios e violências

Thaisson conta ainda que para ele tem sido importante participar do Coletivo LGBT Sem Terra por conta da sua evolução pessoal e do empoderamento como sujeito transexual. “Estamos avançando cada vez mais, entendendo a nós mesmos e com suas particularidades, eu me identifico como sujeito transexual de luta, construindo nossa visibilidade, enfrentando o preconceito, a transfobia, a LGBTfobia e o racismo.”

Ele relata que ainda enfrenta dificuldades quanto a sua identidade de gênero, mas segue na luta pelo reconhecimento e o direito de exercer a identidade que escolheu, para se posicionar como sujeito na sociedade. “Já ocorreu momentos dificultosos em relação à minha identidade de gênero, mas com o decorrer do tempo enfrentamos esse preconceito, essa violência que o próprio patriarcado nos traz, entendendo que todo dia é dia de luta e queremos ser felizes, queremos rir e chorar, amamos sem fronteiras, somos humanos e a resistência nos fortifica”, argumenta o LGBT.

A LGBT Sem Terra Irineuda também ressalta que já sofreu preconceito devido à sua identidade lésbica, mas que hoje se considera uma pessoa em construção permanente, e aponta a importância dos espaços do Coletivo LGBT Sem Terra para avançar no debate da diversidade e buscar soluções para os desafios e violências, que ainda permanecem na sociedade.

“Temos como desafios, a construção de uma cultura do respeito a todas as formas de amar, por isso é necessário a formação nos nossos territórios. Outro desafio permanente é nos nossos espaços não aceitar e punir qualquer forma de violências contra as LGBTs”, conclui a LGBT cearense.

“Os desafios são vários nesse momento na sociedade, sobreviver ás violências do capital, às violências do patriarcado, às violências LGBTfóbicas desse desgoverno, que atingem todas as LGBTs, não só no campo. Olhando para os nossos territórios, os desafios são também de projetar e formar as LGBTs para atuarem nas mais diversas frentes do movimento”, pontua o LGBT Thaisson.

*Editado por Fernanda Alcântara