Agricultura Familiar

PL com medidas de socorro a agricultores pode ser votado nesta terça (17) no Senado

Caso seja aprovada, proposta pode ser vetada por Bolsonaro, que alega falta de recursos
PL 823/2021 prevê ações de fomento e linhas de crédito para atender pequenos produtores afetados pela crise sanitária – Valter Campanato/Agência Brasil/Arquivo

Por Cristiane Sampaio
Do Brasil de Fato

Resultado de uma ampla articulação que envolve parlamentares de oposição e setores populares, a proposta que prevê ações emergenciais de auxílio para agricultores familiares na pandemia pode viver sua última votação nesta terça-feira (17), no plenário do Senado.

A medida tramita como Projeto de Lei (PL) 823/2021 e foi aprovada pela Câmara dos Deputados no início de junho deste ano, após uma costura política que envolveu as diferentes bancadas da Casa. O texto inicial foi oficializado pela bancada do PT, que tem forte interlocução com atores do campo.

Agora, entre os senadores, a tendência é também de aprovação do PL, cujo texto tem sua gênese em uma série de demandas apresentadas por movimentos populares à oposição no primeiro semestre do ano passado, início do alastramento da covid-19 no país.

Na época, o Congresso Nacional discutia as primeiras medidas de auxílio a diferentes setores afetados pela crise sanitária e a articulação popular resultou na apresentação de um outro projeto, o PL 735/2020, que previa um auxílio emergencial pra camponeses e outras medidas.

No entanto, depois de ser aprovado pela Câmara e pelo Senado numa longa rodada de negociações, o PL teve a maior parte vetada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em agosto de 2020.

Parcialmente esvaziado, o texto final resultou na chamada Lei Assis Carvalho (nº 14.048/20), mas agora a oposição tenta recuperar as principais medidas anteriormente propostas por meio do PL 823/2021. A reedição da medida veio após nova articulação de entidades do campo.  

A oposição atua nos bastidores para fazer com que o texto aprovado pela Câmara em junho seja integralmente aprovado no Senado. As costuras que se desenrolaram até aqui indicam a provável chancela a essa versão da proposta.

O Brasil de Fato apurou, no entanto, que, nos bastidores, a liderança do governo já teria sinalizado que, apesar de a tropa do Planalto pretender dar aval ao texto no plenário, sem obstrução, a gestão Bolsonaro prevê veto à proposta adiante. A equipe econômica alega falta de recursos para garantir as medidas.  

Do outro lado das articulações, atores da sociedade civil seguem na pressão e apostam em um possível acordo entre parlamentares aliados do presidente e interlocutores do Planalto na cúpula do Executivo. É o que afirma, por exemplo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).

“Acredito na possibilidade de que as bancadas comprometidas com a agricultura familiar possam negociar com a bancada do governo pra conversar com o Ministério da Economia e pensar se aprova o PL sem necessariamente ele ter que ser vetado pelo presidente, o que nos levaria à mesma situação, ou seja, à falta de um apoio emergencial pros agricultores”, diz o presidente da entidade, Aristides Santos.

O fantasma do veto  

Em conversa com o Brasil de Fato, o diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, que acompanha de perto o PL, sublinha que, em caso de veto, Bolsonaro tende a viver um novo embate com os movimentos populares. Desde o ano passado o segmento tem a pauta no radar como um dos pontos principais da sua lista de prioridades.

Entre as organizações que pressionam pela aprovação das medidas estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), além da Contag, da Abra e de outras entidades civis.

“Mas, de qualquer maneira, para os agricultores e as organizações, vai ser uma vitória se isso passar no Senado porque tem condições de fazer uma pressão muito forte sobre o governo, que pode até vetar, mas vai ser mais um desgaste em larga escala que ele vai ter no campo porque, além de muito justas, as medidas são muito oportunas pra atender a agricultura familiar”, diz Teixeira.

O dirigente pontua que as unidades produtivas de caráter familiar têm “grande relevância” para o país porque atuam diretamente na produção de alimentos, sendo vital para a vida nas cidades. “Num período de inflação de alimento e falta de comida, seria uma insanidade bloquear um projeto dessa natureza”.

O temor das entidades em relação a um possível veto nasce do histórico do presidente com o tema. Bolsonaro é tido como tradicional adversário de movimentos populares do campo porque costuma ignorar demandas dos camponeses e também perseguir politicamente tais segmentos. É o caso do MST, cuja criminalização já foi defendida abertamente pelo chefe do Executivo em diferentes momentos ao longo da relação com a organização.

Entre outras coisas, a gestão do ex-capitão travou a reforma agrária no país e enfraqueceu financeira e institucionalmente a atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão que historicamente responde pelo tema. Na contramão, o presidente tem alinhamento com a bancada ruralista, um dos braços políticos de sua gestão e símbolo do agronegócio exportador, que polariza uma disputa com movimentos populares do campo.

Líder de extrema direita, Bolsonaro ataca movimentos populares, especialmente o MST, desde quando ainda era deputado na Câmara, onde atuou por sete mandatos, entre 1991 e 2018 / Marcos Côrrea/PR

Gerson Teixeira observa que essa relação tem se tornado mais acirrada nos últimos anos, após o golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff (PT) do poder, em 2016, e vive seu auge na gestão Bolsonaro.

“Praticamente todas as ações e programas que tinham o objetivo de fortalecer a agricultura familiar e a reforma agrária foram desmontados nos últimos anos, com exceção do Pronaf, porque ele é também linha auxiliar do agronegócio. Mas políticas de aquisição de produtos pra comunidades tradicionais e várias outras foram desmontadas. É uma opção ideológica e política nesse sentido mesmo.”

Trâmite

Caso o PL seja finalmente aprovado pelo Senado e Bolsonaro vete o texto, o Legislativo ainda pode correr atrás da proposta na sequência, durante a apreciação dos vetos presidenciais, que fica a cargo das sessões do Congresso Nacional, agenda conjunta que reúne deputados e senadores. Essa fase de votação geralmente ocorre em até 30 dias corridos após o veto do chefe do Executivo.

Se Bolsonaro não se manifestar sobre a proposta, ou seja, nem vetar nem sancionar o texto até o prazo final de 15 dias úteis estipulado por lei após a eventual aprovação da medida, o PL é considerado automaticamente como sancionado. 

Conteúdo

O texto do PL 823 prevê ações que buscam mitigar os impactos socioeconômicos que a pandemia causou para a população mais desfavorecida no campo. Entre as medidas, está o Fomento Emergencial de Inclusão Produtiva Rural, criado pelo PL com o intuito de incentivar a produção dos trabalhadores rurais durante a crise sanitária, que afetou os fluxos do mercado de alimentos.  

O fomento previsto é de R$ 2.500 para cada família beneficiada, podendo chegar a R$ 3 mil no caso de núcleos liderados por mulheres. O PL também projeta a possibilidade de os camponeses contarem com auxílio do Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para confeccionar um projeto que vise à estruturação da produção.

Caso o projeto preveja a criação de uma cisterna ou tecnologia semelhante para captação de água voltada à produção de alimentos ou ao consumo humano, o fomento pode chegar a R$ 3.500.

O PL 823/2021 também prevê a criação de linhas de crédito para agricultores familiares e pequenos produtores de leite por parte do Conselho Monetário Nacional (CMN). A ideia é que o segmento seja beneficiado com taxa de 0% ao ano, com previsão de dez anos para quitar a dívida e ainda carência de cinco anos previstos dentro desse intervalo. A perspectiva do PL é que as medidas, caso aprovadas pelo Senado, vigorem até 31 de dezembro deste ano.

“São mecanismos que conseguem garantir o acesso dos agricultores e agricultoras a recursos que podem contribuir pra que se melhore a condição de produção deles neste período pra tentar amenizar as perdas que já ocorreram na pandemia, que foram muitas”, resume o coordenador da ONG Centro Sabiá, de Recife (PE), uma das integrantes da ANA e da ASA.

O projeto atende camponeses, pescadores, empreendedores familiares, extrativistas, silvicultores e aquicultores, categorias que formalmente são compreendidas como sendo de “agricultores familiares”.   

“Nossa expectativa é de que haja sensibilidade dos senadores no sentido de entenderem a importância disso e de manterem a coerência e a atenção com essa população”.

Edição: Vivian Virissimo/ Brasil de Fato