Roçados Solidários

Conheça as Hortas Agroecológicas Solidárias que fortalecem comunidades contra a fome

Com o intercâmbio de experiências entres trabalhadoras(es) do campo e cidade, diversas hortas agroecológicas têm contribuído com a segurança alimentar de comunidades vulneráveis
Roçado Solidário no assentamento Che Guevara, em Moreno, PE. Foto: Campanha Mãos Solidárias.

Por Lays Furtado
Da Página do MST

As hortas sempre foram um meio de subsistência e produção do trabalho do povo Sem Terra e do campesinato, de modo geral. A partir do contato com a terra, insumos e técnicas agrícolas, é possível cultivar as sementes que vão gerar vínculos entre pessoas com o meio ambiente, conhecimento e alimentos.

Com isso, desde o início da pandemia e o aumento da fome que assola o país, o intercâmbio de experiências entre trabalhadoras(es) do campo e cidade têm sido fundamentais para a criação e manejo de hortas agroecológicas, que tem assumido um papel importante para a segurança alimentar de comunidades vulneráveis.

Mesmo frente ao desgoverno à segurança alimentar e produção da agricultura familiar, desde que a crise alimentar se agravou ao longo da pandemia da Covid-19, foi instituído entre as comunidades assentadas e acampadas do MST um planejamento comunitário nas áreas de plantio. Cada quintal produtivo, lote, associação, cooperativa, escolas e centros de formação passou a adotar canteiros e hortas com produção de alimentos destinados para ações solidárias, parte das jornadas de quarentena produtiva.

Cerca de 20 milhões de pessoas estão passando fome e 117 milhões em situação de insegurança alimentar, atingindo mais de 55% da população, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). É por meio dessas iniciativas e mobilizações coletivas que vem sendo possível realizar o enraizamento das ações solidárias que as(os)  Sem Terra têm promovido. A assentada Joice Lopes, do MST em São Paulo, conta que o Movimento sempre foi solidário:

“Nós sempre participamos com doações de alimentos, desde antes da pandemia. Então para nós, ajudar o próximo, ser solidário acho que faz parte do nosso DNA na luta pela terra. Sempre produzimos a mais do que necessitamos, porque sabemos que outros irão precisar. E para nós, doarmos essa produção é aquecer o coração. Sempre fico feliz em ajudar o próximo, me dá uma sensação boa, não sei explicar”.

Por meio dessas ações do Cultivando a Solidariedade Sem Terra, já foi possível distribuir mais de 1 milhão de marmitas e 5 mil toneladas de alimentos para as famílias, em todas as grandes regiões do Brasil. A seguir, conheça algumas das iniciativas de hortas agroecológicas e roçados, onde a união entre campo e cidade contribuem para o fortalecimento do combate à fome no país.

Roçados Solidários e Hortas Agroecológicas Urbanas

Géssica Vitória, da Juventude Sem Terra em Pernambuco e integrante da Brigada Dom Hélder, conta a experiência dos Roçados Solidários e Hortas Agroecológicas Urbanas, onde a produção de alimentos está voltada para doações destinadas às comunidades atendidas pela campanha Mãos Solidárias, na região Metropolitana do Recife. Por meio da campanha, iniciada no ano passado com o apoio de organizações parceiras, o MST já doou mais de 650 mil marmitas e 870 toneladas de alimentos.

Géssica, da Juventude Sem Terra, durante o Roçado Solidário. Foto: Campanha Mãos Solidárias.

“A gente está indo todo sábado para os roçados solidários. E lá estamos com uma experiência, vivenciando a criação de uma agrofloresta, com um consórcio de frutíferas e hortaliças bem interessante”, conta Géssica, que atua na campanha solidária como brigadista. Desde o início da pandemia, ela acompanha a realização dos roçados solidários e desenvolvimento de várias hortas, criadas e ampliadas para atender a demanda de mais 30 comunidades atendidas pela Rede de Bancos Populares de Alimentos, criados pela campanha Mãos Solidárias para combater a fome na região.

Os Roçados Solidários contam com o trabalho de militantes brigadistas e de voluntariado, onde pessoas da cidade também têm a oportunidade de conhecer um assentamento e participar da manutenção das hortas. “Porque aí para além de você saber o que é o alimento, como que o alimento chega até a sua casa. Você vivencia todo o processo que ele passa, por todas as fases, desde preparar o solo para a plantação, desde o plantio, desde colocar a semente na terra, desde o cuidar, do cultivar até o colher”, conta a jovem militante, que também é graduanda do curso de geografia.

“E não termina por aí, tem também o colher e o transporte até a cidade”, declara Géssica, enumerando os vários desafios dessa experiência de troca de saberes. Mas que apesar dos desafios, a vivência tem frutificado um intercâmbio importantíssimo no diálogo entre o campo e a cidade, difundindo saberes e conhecimentos agroecológicos para fomentar a agricultura urbana e trazendo também, na prática, a transformação social e realidade possível através da reforma agrária popular.

“Porque a Terra não é um conhecimento que a gente chega e já está lá, é um conhecimento construtivo, é algo que a gente constrói ali coletivamente juntos. Cada um tem um saberzinho diferente e aí esses saberes se misturam e formam isso que a gente está vivendo, essa agroecologia coletiva, posso chamar assim. Então, está sendo muito maravilhoso essa experiência para nós.” – comenta Géssica.

A Solidariedade está no DNA do MST

Desde que a pandemia começou, no início de 2020, sensibilizada com a fome que se alastra tanto no campo, quanto na cidade, a agricultora Joice Lopes, assentada no assentamento Dandara, localizado no município de Promissão, São Paulo, uniu forças com um grupo de mulheres e comunidade camponesa para doar alimentos agroecológicos que vem das hortas de seu assentamento, produzida sem uso de agrotóxicos e adubos químicos.

“Aqui plantamos de tudo um pouco: hortaliças, legumes, tubérculos e frutos, no geral desdes alfaces, almeirão, chicória, cheiro verde, couve, espinafre, cenoura, beterraba, mandioca, abobrinha, batata doce, berinjela, jiló , quiabo, banana, abacate, manga, limão rosa e taiti, algumas PANCs [Plantas alimentícias Não Convencionais], como oras-pró-nobis, moringa, hibisco/vinagreira, bertalha”, conta Joice, que também é presidente da Cooperativa dos Produtores Campesinos, onde há a organização da Comunidade que Sustenta Agricultura (CSA).

Cozinha Solidária que recebe doações das hortas agroecológicas na capital paulista. Foto: MSTC

Sabendo que além da urgente carência de alimentos, as comunidades, de modo geral e principalmente as mais vulneráveis, também precisam redobrar seus cuidados com a imunidade e saúde em meio à pandemia que já ceifou mais de 600 mil vidas no Brasil, Joice conta que nas hortas do assentamento há também o plantio e cultivo dos saberes de “ervas medicinais como hortelã, capim cidreira, guaco, manjericão, orégano”. Em conjunto ao grupo de assentadas(os), já produziram até farinha de moringa oleifera, e sabão de álcool para doar ao asilo e lar das crianças do município.

Os desafios agora estão nos processos organizativos permanentes e de fomento, para manter as ações solidárias à longo prazo, conta a agricultora: “Então esse ainda é um desafio que a gente está fazendo para manter essa solidariedade”. Com isso, Joice conta que as iniciativas de produção solidária nos lotes também vêm sendo reproduzidas nos espaços educativos. “Está acontecendo algumas atividades, ajudando a construir hortas nas escolas. Inclusive, antes de ontem mesmo estive numa escola aqui no município de Lins, junto com as crianças estamos construindo canteiros”.

Assim como o trabalho que vem sendo feito no município de Promissão, há também outras iniciativas de hortas solidárias que vêm se desenvolvendo em Itapeva, Itaberá, Ribeirão Preto. Existem outras áreas produtivas que estão sendo cultivadas para subsidiar alimentos para as Cozinhas Solidárias espalhadas por várias regiões da capital. Há também a tentativa de consolidar o apoio produtivo com algumas prefeituras, a realização de parcerias com entidades para obtenção de sementes e mudas.

Aos poucos, há a consolidação de uma realidade transformadora de combate à fome, onde a Rede de Viveiros Populares, lançada pelo Plano Nacional do MST: Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis, também tem corroborado para o enraizamento da solidariedade. “Nós estamos nos organizando também para que os nossos Viveiros agora possam estar produzindo também essas sementes, essas mudas para contribuir, para essas localidades que estão deixando essa área específica para a produção de alimentos para a solidariedade”, menciona Joice.

Cooperar Reforma Agrária Popular e Agroecologia contra a fome

Andrea Maas é bióloga e assessora projetos de cunho agroecológicos em áreas da Reforma Agrária. Por meio da cooperativa Cooperar, ela coordena o projeto de hortas agroecológicas em Maricá, Rio de Janeiro, que conta com o apoio da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca (Secapp) da cidade e tem fomentado a produção e a entrega da produção dessas hortas às instituições que atendem famílias em situação de vulnerabilidade.

A iniciativa é um exemplo muito bem sucedido acordado em termos de colaboração técnica,  com a realização dos projetos de manutenção e expansão das áreas de produção agroecológica no bairro Manu Manuela e na antiga Fazenda Ibiaci, que foi desapropriada para a Reforma Agrária, e agora se chama Fazenda Pública Valquimar Reis Fernandes (Joaquín Piñero), localizada no bairro Espraiado.

Fundamentado nas matrizes agroecológicas e inspirado no legado da agrônoma e professora Ana Maria Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil, a iniciativa deu seu pontapé inicial trabalhando na recuperação do solo e preparação para o plantio. “Tudo o que é produzido nas unidades é entregue a seis instituições de interesse social, Asilo, Casa de acolhimento, LBV (que distribui os alimentos), Instituto Nossa Senhora do Bom Conselho e duas aldeias indígenas de Maricá” – explica a coordenadora.

Só em abril deste ano, 10 toneladas de abóbora foram doadas a partir da produção da Fazenda Pública em Maricá, RJ. Foto: Clarildo Menezes

O projeto teve início em julho de 2020 e após 1 ano do início das atividades já aumentou a quantidade de instituições beneficiadas. As duas unidades agroecológicas possuem diferentes formas de produção: “em aléias, mandalas, plantio direto, onde a experiência pode ser compartilhada com outros moradores do município para implementar suas hortas. Levando alimento de qualidade para essas pessoas. Além disso, através da experimentação nas unidades agroecológicas há trocas de saberes entre técnicos e moradores, divulgando o potencial da agroecologia no município”,conta a Andrea.

Em um recente balanço levantado pela coordenação do projeto, foi possível estimar que  entre outubro de 2020 e maio de 2021 foram entregues 2,867 toneladas de alimentos dentre 27 variedades produzidas nas unidades agroecológicas. Sendo a maioria verduras:   13 variedades de verduras ou folhosas (Alface Americana, Alface Crespa, Alface roxa, Alho Poró, Almeirão, Cebolinha, Chicória, Coentro, Couve, Manjericão, Repolho, Rúcula e Salsa), correspondendo a 37,3% das entregas. E 12 variedades de legumes (Abóbora, Abóbora caserta, Abóbora de tronco, Berinjela, Beterraba, Brócolis, Cenoura, Jiló, Pimenta Biquinho, Pimentão, Rabanete, Tomate Cereja), correspondendo a 30% das entregas. Além de dois tipos de tubérculos (Aipim e Batata-Doce), correspondendo a 32,7% das entregas.

*Editado por Fernanda Alcântara