Massacre Felisburgo

Nos 17 anos do Massacre de Felisburgo, Assentamento Terra Prometida resiste

No dia da consciência negra, 20 de novembro, o MST-MG relembra um dos maiores crimes contra os direitos humanos no estado
Famílias receberam a vistoria judicial em 2019, com produção e cruzes representando as vítimas do Massacre. Foto Geanini Hackbardt

Por Agatha Azevedo
Da Página do MST

O mês de novembro é marcado por uma memória de dor, luto e superação em Minas Gerais. No dia 20 de novembro de 2004, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, por volta das 11h15, em meio à forte chuva, 17 jagunços liderados pelo fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, invadiram o Acampamento Terra Prometida, do MST, no município de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha. Nesse dia, mataram 5 Sem Terra com tiros à queima roupa, feriram 20 pessoas e deixaram um mar de sangue na Fazenda Nova Alegria.

Com a luta popular, ocupações em todo o país, audiências e organização, os responsáveis foram condenados e a área seguiu produzindo alimentos saudáveis. No marco dos 17 anos do crime, o MST-MG traz um pouco da produção das famílias que cotidianamente constroem o Assentamento Popular Terra Prometida.

Área de plantação no Assentamento Terra Prometida. Foto: Arquivo MST.

Resistência e produção agroecológica

Ao longo dos anos, as famílias da regional do Vale do Jequitinhonha se organizaram para resistir no território que hoje é o Assentamento Popular Terra Prometida. No local tem farinheira, produção em larga escala de mandioca e seus derivados, Casa de Mel, Escola funcionando até o quinto ano, e crianças e jovens que continuam na luta. Kelly Gomes, assentada no local, conta que as moradias foram construídas com o suor do próprio povo e com a ajuda dos parceiros.

“Falar do Terra Prometida é falar de um assentamento popular de resistência, porque a gente foi vendo que os avanços da reforma agrária ficaram parados, não conseguimos no burocrático avançar, mesmo depois do massacre e dos conflitos. Nós só temos o decreto, não temos a posse, mas nos organizamos na resistência ativa de maneira popular”, conta Kelly.

Segundo Maria Gomes, também assentada no Terra Prometida, a resistência para que as famílias se mantivessem no território também significou propor um assentamento que coubesse todos aqueles que resistiram ao massacre e às tentativas de desarticulação no território. Para o INCRA, só seria possível que a área abarcasse 35 famílias, e hoje 56 famílias produzem e vivem com dignidade no local. “A partir do primeiro decreto, nós entendemos que emitir na posse ia demorar e não dava mais para as famílias ficarem morando em barracos desmanchando cada dia, com vontade de produzir, e aí nos tomamos a decisão do Assentamento por conta”, relembra.

Com produção diversificada de frutas, verduras, arroz e feijão, o local é fundamental na economia da região. “A gente considera que a luta pela terra é indispensável, hoje as famílias são responsáveis por produzir e abastecer a cidade, e o Terra Prometida, junto com um território quilombola, é responsável por mais da metade da produção na feira local”, afirma Kelly.

Para as famílias, que distribuem alimentos para o Armazém do Campo BH e para as cooperativas de comercialização do MST, a luta e a memória de dor se converteu em abundância. “Nossas crianças hoje tem um espaço com tranquilidade de vida, eu sinto orgulho da nossa luta e do que a gente construiu. Quando a gente perdeu 5 companheiros, a gente percebeu que era uma questão de honra resistir aqui e organizar nossa terra para ter qualidade de vida e resgatar nossa dignidade que foi perdida, plantando nossos companheiros tombados no cultivo dessa terra. A luta é justa e necessária.”, descreve Kelly Gomes.

Justiça e Memória

O sonho vale uma vida? Não sei. Mas aprendi da escassa vida que gastei: a morte não sonha. (Pedro Tierra)

Ilustração Paulo Barbosa – Arquivo Página MST.

A Fazenda Nova Alegria foi ocupada em maio de 2002, por cerca de 230 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ocupação foi realizada para pressionar o governo a desapropriar as terras que não cumpriam função social. Chafik, suposto proprietário da fazenda, entrou com uma liminar de despejo na justiça. Porém, o antigo Instituto de Terras de Minas Gerais (ITER) decretou que 567 hectares pertenciam ao Estado.

Adriano Chafik Luedy e seu primo Calixto Luedy passaram dois anos ameaçando e coagindo as famílias Sem Terra. Após ter o pedido de despejo negado, eles começaram a planejar o massacre e, em 20 de novembro de 2004, Dia da Consciência Negra, executaram seus planos. Foram assassinados Iraguiar Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos; Francisco Ferreira Nascimento, 72 anos; e Joaquim José dos Santos, 48 anos. A memória de dor ainda marca a vida dos moradores que continuaram a luta pela terra.

Atearam fogo no acampamento, reduzindo a cinzas 65 barracas de lona preta, inclusive a barraca da escola, onde 51 adultos faziam, todas as noites, o curso de alfabetização. Foram diversas as mobilizações durante os últimos 17 anos ao longo de todo o Brasil e internacionalmente nos últimos anos pressionando pela condenação dos responsáveis pelo crime e pelo assentamento das famílias, enfrentando tentativas de reintegração de posse e pressões locais.

Ainda hoje, o território não está regularizado, as terras permanecem em nome do assassino, o estado nega o direito à terra às famílias, porém o Assentamento Popular construído a muitas mãos segue resiliente e produtivo. A morte dos cinco Sem Terra não fez a luta recuar, pelo contrário, segue sendo fermento na luta pela terra, defendido e reafirmado a cada momento que as terras onde tombaram os 5 Sem Terra não voltará a ser um território de morte.

“Uma coisa que dá muito sentido à nossa luta é ver que as famílias que chegaram aqui com os filhos e não tinham dinheiro nem pra lona preta, já tem casa de alvenaria. A luta do MST proporcionou isso. O MST de Minas Gerais todo se mobilizou, essa área não é só nossa, é de todo o Movimento.”, afirma Maria Gomes.

*Editado por Maria Silva