Entrevista Jornada
“O caráter da jornada é tomar as ruas com a pauta da Reforma Agrária Popular”, afirma dirigente do MST
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Após as mulheres Sem Terra espalharem os aromas de luta e resistência no mês de março; e a luta unitária dos movimentos populares do campo e cidade conquistarem, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a prorrogação de liminar que impede os despejos forçados de famílias em ocupações rurais e urbanas até junho de 2022; Já se iniciaram as lutas de abril, período em que o MST colore o país de vermelho com suas bandeiras, faixas e ferramentas de trabalho, em memória aos mártires da terra e na incansável luta pela democratização da terra e por Reforma Agrária Popular.
Com o lema Reforma Agrária Popular: Por Terra, Teto e Pão, as ações da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária de 2022 tiveram início no último dia 8 e seguem até o dia 17 de abril por todos os estados do país em que o MST se encontra presente. Em alguns estados os(as) trabalhadores(as) Sem Terra já estão presentes nas ruas, ocupando estradas, rodovias e centros urbanos como na Bahia, em que mais de 3 mil Sem Terras se mantém em marchar entre Feira de Santana até Salvador cobrando por Reforma Agrária.
Em entrevista, Idalice Nunes (mais conhecida como Fia), da direção do MST no Mato Grosso, e Antônio Pereira (mais conhecido como Toninho), dirigente nacional do MST, conversaram sobre as principais reivindicações, ações e denúncias programadas e pautadas pelo MST na Jornada de Abril deste ano.
Qual o objetivo da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária deste ano?
“O caráter da nossa jornada nesse momento é tomar as ruas com a pauta da Reforma Agrária Popular, e dizer que a Reforma Agrária não é uma pauta vencida para os(as) trabalhadores(as), que dependem ainda de um pedaço de terra para alcançar a dignidade”, Fia.
Fia: [A Jornada] traz presente a memória dos companheiros que foram covardemente assassinados na Curva do S, em Eldorado do Carajás, no Pará, no dia 17 de abril de 1996. Terá como mística, a memória desses companheiros, nesse sentido, seguimos firmes na luta pela Reforma Agrária.
Vivemos um período de dois anos de nos recolher em casa, mas não em silêncio, em que a solidariedade também se apresentou como uma forma de luta e da nossa resistência que fizemos nesse processo, mas é o momento de retomar as lutas. Então, o caráter da nossa jornada é tomar as ruas com a pauta da Reforma Agrária Popular, e dizer que a Reforma Agrária não é uma pauta vencida para os(as) trabalhadores(as), que dependem ainda de um pedaço de terra para alcançar a dignidade. O problema do Brasil só vai se resolver com a distribuição de renda e uma das formas de distribuir renda nesse país é fazendo a Reforma Agrária.
Toninho: Para nós do MST, esse é um momento importante para que a classe trabalhadora, o homem e a mulher do campo e da cidade, as organizações, os movimentos populares se unam em torno da pauta por Reforma Agrária, por terra, teto e pão.
Que tipo de ações estão previstas na Jornada deste ano pelo país?
Fia: São atividades bem diversas, de acordo com as condições reais de organização da luta em cada estado. Teremos dois acampamentos pedagógicos da juventude: um na Curva do S, no Pará, outro em Roraima; marchas na Bahia, no Paraná; e várias ações de solidariedade, com distribuição de alimentos, marmitas. Várias ações voltadas para a questão da terra, mostrando aonde se faz a Reforma Agrária de verdade. No 17 de abril estamos convocando todas e todos, dos assentamentos e acampamentos a plantar árvores em memória dos companheiros que foram covardemente assassinados na Curva do S.
Toninho: Animados e com muita alegria, já iniciamos a nossa jornada do Abril Vermelho, com as nossas ações por todo esse país. São ocupação de terras, marchas, acampamentos da juventude, doação de alimentos, várias ações a serem realizadas nesse mês de abril. Nesse período, companheiros e companheiras, vamos estar na rua, o ano inteiro vamos permanecer na luta, claro com muito cuidado ainda, com álcool em gel e máscaras.
Por que a escolha do lema da jornada deste ano, Reforma Agrária Popular: Por Terra, Teto e Pão?
Fia: Reforma Agrária Popular é projeto político do MST, construído a partir da sua base, aprovado no seu último Congresso Nacional que tem dado o norte as nossas ações, a partir da organização dos(as) trabalhadores(as) e dos territórios, na produção de alimentos saudáveis, agroecológicos e da reprodução da vida, na perspectiva de novas relações, voltadas para emancipação humana.
Terra, Teto e Pão é um direito: ter acesso à terra, acesso a uma moradia digna e ter direito ao pão na mesa dos trabalhadores(as) de todo país, não só daquelas que vivem no campo e produzem o alimento, mas o direito a um pão saudável a toda população.
Qual a relação do lema da Jornada com a conjuntura atual do Brasil?
Toninho: Nesses dois anos de pandemia o MST, nossos assentamentos e acampamentos doamos muitos alimentos para a periferia, nas comunidades, nos centros urbanos do nosso país, em todas as nossas regiões. Então, o nosso lema recoloca a centralidade da Reforma Agrária Popular na pauta do dia, porque estamos vivendo uma das maiores crises, pós-pandemia: crise do capital e econômica. Temos mais de 20 milhões de pessoas que passam fome, que não tem casa, que não tem teto, por isso o nosso lema: terra, teto e pão, dialoga com essa situação atual no país. É assim que reafirmamos, mais uma vez que para acabar com a fome tem que haver Reforma Agrária nesse país.
Fia: Estamos numa conjuntura de crise, com o aumento do desemprego, da fome, das violências: contra as mulheres, contra os LGBTs, negros(as) e os(as) trabalhadores(as) de uma forma geral. E precisamos agir sobre ela, o nosso lema dialoga com essa necessidade. Para resolver muitas questões hoje do desemprego, da fome e das violências, também no campo, dos territórios dos indígenas, dos quilombolas, dos Sem Terra, tudo isso tem a ver com a Reforma Agrária. Se distribuirmos renda e terra, fazendo a Reforma Agrária, vamos avançar bastante no campo e resolver muitas questões, que a princípio parecem conjuntural, mas que a gente sabe que é estrutural no nosso país.
Como o país enfrenta um período de pandemia da Covid-19, o que muda na programação dessa jornada, para assegurar os cuidados de saúde?
Fia: Temos clareza e consciência de que ainda estamos num período de pandemia. Embora já estejamos bem avançados, principalmente nos nossos territórios com a vacinação da terceira dose em adultos e nossos Sem Terrinha já em plena vacinação, temos a clareza de que muitos estados ainda estão em um grau de vacinação não esperado.
A nossa luta deu uma lição de que o cuidado com a vida vem em primeiro lugar, mas sem deixar de fazer a luta pela terra e por direitos nesse país. Vamos continuar seguindo as orientações do nosso setor de saúde e mantendo os cuidados com a saúde. Então, o uso de máscara em locais fechados ou onde vamos ficar muito próximos um do outro, ainda é necessário. O álcool e a máscara vão fazer parte do kit dos Sem Terra, que é o colchão, o prato, o copo, a máscara e o álcool. Além das orientações nos cuidados necessários com a nossa saúde.
A imprensa divulga todos os dias propagandas de que o agronegócio alimenta o país, mas não foi isso que a população viu durante a pandemia. Por que o agronegócio é considerado um modelo de produção que espalha violência e morte?
Fia: O agronegócio nunca alimentou e nunca vai alimentar esse país, basta buscar os dados. O que o agronegócio produz? Commodities para vender pro exterior: soja, milho, algodão, mas não é comida. As médias e pequenas propriedades de terra desse país são quem produz alimentos. O Brasil só vai ter soberania alimentar, quando de fato acontecer a Reforma Agrária nesse país.
O agronegócio só destrói, mata, expulsa gente do campo, seja através de ocupações ilegais de territórios, através de jagunços, principalmente na região Norte, onde chega e expulsa os posseiros, pequenos proprietários, matam e devastam o meio ambiente. Seja através do uso excessivo de agrotóxicos e a destruição das matas, em todos os biomas por onde passaram. Hoje quem mais sofre é o bioma amazônico. No Estado do Mato Grosso o agronegócio agora quer tirar a região norte do estado da Amazônia Legal. Estamos na luta para que isso não aconteça, porque é uma questão de sobrevivência da humanidade preservar a Amazônia.
Toninho: Um dos principais inimigos da classe trabalhadora no campo e responsável por essa crise é o agronegócio brasileiro. O agronegócio que está acabando com a nossa fauna e flora, com a nossa terra, responsável pelas grandes queimadas na Amazônia.
Nesse período da pandemia não vimos o agro do campo fazendo campanha de solidariedade ou distribuindo alimentos pelo país. Enquanto o nosso povo passa fome, quem faz a solidariedade é a Reforma Agrária, por meio dos nossos assentamentos e acampamentos. Já está mais do que comprovado de que o agronegócio só produz morte, lucro, em detrimento da classe trabalhadora, daqueles que não tem terra, que não tem teto, que não tem trabalho.
Durante a pandemia e a crise econômica e ambiental no Brasil, como o MST vem pautando o projeto de Reforma Agrária Popular, como alternativa para combater a fome e a destruição ambiental?
Fia: Desde a sua constituição, em 1984, o MST sempre pautou que a ida das pessoas para terra tem como objetivo central a organização dos territórios na perspectiva de produzir vida, alimentos, educação, saúde, participação na vida ativa e política do país. E a preservação do meio ambiente como um todo. Para isso, o Movimento também sempre partiu da solidariedade em distribuir aquilo que a gente produz, então, nas nossas ações e atividades sempre tivemos muita comida. Sempre houve essa solidariedade.
E na pandemia ficou comprovada essa solidariedade, através da doação das famílias do Movimento, que se colocaram a disposição, dizendo: “eu vou doar todo mês tantos quilos de comida”. Ai é mandioca, abóbora, fruta, o que tivesse naquele momento de produção era a doação daquela família. A partir daí a gente conseguiu organizar e de forma concreta mostrar que a Reforma Agrária Popular pode combater a fome, a partir da produção de alimentos, sem veneno e que isso também vai garantindo uma preservação ambiental.
Qual o projeto político do MST para acabar com a fome, a carestia, o desemprego e se contrapor ao modelo de agricultura destrutivo do agronegócio?
“A Reforma Agrária Popular é o projeto político necessário e urgente nesse país…Nós já sabemos que a terra distribuída, divida na mão dos trabalhadores e trabalhadoras, vai ajudar a acabar com a fome”, Toninho
Fia: A distribuição de renda nesse país passa pela distribuição de terra. Para combater o agronegócio que só destrói o campo brasileiro, precisamos ter Reforma Agrária, com mais gente no campo. E isso só vai acontecer com luta e organização dos(as) trabalhadores(as) que precisam de terra, mas também dialogando com a sociedade para entender a necessidade real da Reforma Agrária.
Toninho: A Reforma Agrária Popular é o projeto político necessário e urgente nesse país. Esse governo genocida retirou todas as políticas públicas [voltadas para a Reforma Agrária], retirou toda política de desapropriação – hoje não tem dinheiro para vistoria -, retirou o dinheiro para o Procera, os recursos do PNAE, do PAA da agricultura familiar e camponesa. Então, nessa jornada de abril estamos nas ruas, nas marchas, recolocando a Reforma Agrária na pauta, como uma das soluções para enfrentar a crise nesse momento, porque nós já sabemos que a terra distribuída, divida na mão dos trabalhadores e das trabalhadoras, que vai ajudar a acabar com a fome nesse país.
Com todos os desmontes e ataques do governo Bolsonaro como está a situação da Reforma Agrária no Brasil?
Estamos hoje em todo Brasil com cerca de 80 mil famílias acampadas, muitas em áreas de conflitos”, Fia.
Fia: Já antes, com o governo de Michel Temer, havia uma vontade de desarticular a luta política pela terra no país, o governo Bolsonaro intensificou essa questão. Há um desmonte total dos órgãos da Reforma Agrária, a questão da titulação de terra, que na verdade é a privatização de terras nos assentamentos com o único objetivo de desarticular as famílias. A questão da Reforma Agrária por edital, é o fim do mundo, uma propaganda que não existe.
Estamos hoje em todo Brasil com cerca de 80 mil famílias acampadas, muitas em áreas de conflitos. Já temos em risco em torno de 300 áreas com famílias Sem Terra que podem ser despejadas. É uma situação bastante melindrosa, e se o poder público não intervir de alguma forma vamos ter vários conflitos de terra nesse próximo período. Mas, as nossas famílias que estão nos acampamentos estão produzindo, organizando, trabalhando, para que de fato a gente não viva uma situação igual se vê na cidade de fome. Isso os nossos acampamentos não têm.
Como o MST e os movimentos populares do campo estão se mobilizando para pressionar o governo na retomada da Reforma Agrária no país?
Fia: O MST e os demais movimentos do campo, saindo desse período mais crítico da pandemia, estão voltando a se organizar, planejar e construir alianças no campo e na cidade, para que a gente possa avançar no processo da luta. Este ano estamos com ações desde a jornada de luta de março, os aromas de março das mulheres Sem Terra e da Via Campesina, que foram às ruas para pautar a luta contra o capital e por Reforma Agrária Popular, por direitos e pela não violência. Essa continuidade ocorreu com a campanha do Despejo Zero e agora as lutas de abril, que vão para além do MST.
Estamos com os nossos irmãos indígenas no acampamento Terra Livre, 8 mil indígenas na capital e a grande imprensa não pauta. Tem muitas ações sendo organizadas para ir pautando a questão da Reforma Agrária no país. Mas, para ter uma Reforma Agrária, que condiz com a realidade do nosso país e do período histórico que vivemos, precisamos ter no mínimo um governo popular, progressista para que de fato as coisas avancem.
Toninho: Só vamos ter vitória se a classe trabalhadora for pras ruas, então, esse é um momento importante, de enfrentamento ao capital e esse governo fascista e machista do Bolsonaro. Só as ruas e as lutas vão recolocar a Reforma Agrária na pauta. Temos o exemplo das marchas, a Bahia já está marchando de Feira de Santana à Salvador, a exemplo de vários outros estados do país que já estão na luta.
*Editado por Fernanda Alcântara