Mulheres em Luta

Mais de 1500 mulheres Sem Terra, urbanas e indígenas se unem em marcha e audiência no PR

A reivindicação de moradia digna e terra foram os temas centrais da marcha, realizada em Curitiba. Ação integra a Jornada de Lutas em referência ao Dia Internacional da Mulher
Marcha pelo Centro de Curitiba une mulheres da periferia e de acampamentos do MST. Foto: Juliana Barbosa

Da Página do MST

Com diversidade de cartazes, bandeiras e faixas, mais de 1.500 pessoas se uniram em uma marcha no centro de Curitiba (PR), na tarde desta terça-feira (7). A ação integra a Jornada de Lutas “Mulheres em resistência, contra todas as formas de violência. Por Terra, Teto e Trabalho, democracia e sem anistia”, em referência ao Dia Internacional da Mulher, celebrado neste dia 8 de março. 

A maior parte do público era de mulheres, muitas delas acompanhadas de filhos pequenos, vindas de acampamentos rurais de todas as regiões do estado, indígenas, e dezenas de ocupações urbanas de Curitiba e Região Metropolitana. Elas fazem parte da articulação Despejo Zero, organização que há um ano une movimentos sociais populares do campo e da cidade. 

Protagonizada pelas mulheres, esta é a primeira grande mobilização da articulação Despejo Zero após a derrota de Bolsonaro nas urnas e a eleição de Lula presidente. Este contexto trouxe para a marcha o grito por mais democracia e avanço do respeito e das políticas públicas para as mulheres, desmontados na última gestão federal.

A mobilização faz alusão ao 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres. Fotos: Juliana Barbosa

Após marcharem da Praça 19 de Dezembro até a Praça Nossa Senhora de Salette, no Centro Cívico, uma comissão de 150 mulheres participou de uma audiência com representantes do poder público, no auditório do Palácio das Araucárias. 

Entre os presentes estavam os desembargadores do Tribunal de Justiça Maria Aparecida Blanco e Fernando Prazeres; Roland Rutyna superintendente Geral de Diálogo e Interação Social do governo do estado (SUDIS); Nilton Bezerra, superintendente do INCRA/PR; Aline Bilek e Regis Sartori, do Ministério Público estadual (MP/PR), além parlamentares e representantes de prefeituras, como a de Curitiba e de Araucária. 

Autoridades ouviram as pautas e logo após se posicionaram sobre as demandas das mulheres. Foto: Juliana Barbosa

Bruna Zimpel, integrante da direção nacional do MST e moradora do acampamento Terra Livre, em Clevelândia (PR), apresentou a pauta com foco nas demandas das mulheres do campo, especialmente as que vivem nas 83 áreas de ocupação. “Nós, famílias camponesas, vemos no campo o nosso espaço de vida, para além da geração de renda”.  

A liderança frisou a viabilidade de resolver as situações de conflito:

Todas essas áreas ocupadas têm condições políticas e jurídicas de avançar na regularização”, seja por se tratarem, por exemplo, de áreas declaradas improdutivas pelo descumprimento da função social, de devedores da União ou áreas públicas. 


Sylvia Malatesta, integrante da coordenação do Movimento Popular por Moradia (MPM) ressalta que “as ocupações urbanas, principalmente, são lideradas por mulheres. Isso não é um detalhe […] São as mulheres que sentem na pele a dura realidade e a violência da falta de saneamento básico, da falta de energia elétrica, de saúde de qualidade, de lazer. Todas conquistas sociais que são negadas pra muita gente no nosso país”. 

A marcha reuniu mulheres de diversos movimentos sociais e populares. Foto: Juliana Barbosa

Ceia Bernardo, da União das Artesãs Indígenas pela Casa de Passagem e Cultura, denunciou a precariedade das condições da Casa de Passagem Indígena, mantida pela prefeitura. A reivindicação é por melhores condições no local. “A gente não tem cama no espaço, quando chove, chove mais dentro do que fora do espaço. Nós estamos aqui lutando, e vamos resistir até o último”. 

Representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento de Trabalhadores Por Direitos (MTD) e a União de Moradores e Trabalhadores (UMT) também apresentaram suas pautas centrais às autoridades presentes. 

Democratização do acesso à terra é questão de classe, raça e gênero

Em sua primeira agenda pública como diretora de Mediação e Resolução de Conflitos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (antiga Ouvidoria Agrária), Claudia Maria Dadico enfatizou a intenção de avançar em soluções para os conflitos no campo. 

Claudia Maria Dadico é diretora de Mediação e Resolução de Conflitos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, antiga Ouvidoria Agrária. Foto: Juliana Barbosa

Com experiência de 37 anos de atuação na Justiça Federal, Dadico enfatiza que o projeto que está na constituição do Brasil é de “democratização do acesso à terra, de função social da propriedade, como questões de classe, de raça e de gênero”. Isso porque orienta na direção da erradicação da pobreza, das desigualdades sociais, para que “através da democratização do acesso à terra a gente combata a fome”, que hoje afeta 33 milhões de brasileiros. 

Também é uma questão de raça, por ser caminho para “superar injustiças seculares, estruturais, que também afetam as populações negras, indígenas, quilombolas”. É uma questão de gênero porque, através da democratização da terra, do acesso ao trabalho com dignidade, se combate a exposição violência de gênero, também resgata a dignidade do povo LGBT”. 

Das mãos das mulheres camponesas para a mesa das mulheres urbanas

Somado à marcha e à audiência com o poder público, a tarde desta terça também ficou marcada pela solidariedade. Arroz, feijão, fubá, mandioca e batata estavam entre os mais de 850 kits de alimentos partilhados pelas mulheres Sem Terra com as mulheres urbanas que participaram da marcha. Apesar da chuva, os alimentos chegaram até as centenas de mulheres vindas da periferia de Curitiba e região, que participaram da marcha. 

A montagem das 850 cestas foi feita em mutirão por dezenas de mulheres. Fotos: Juliana Barbosa

Ao todo foram 17,3 toneladas de muita diversidade vinda de acampamentos e assentamentos do MST no PR, além de 1800 litros de iogurte da marca Campo Vivo, produzido pela Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran), de Arapongas (PR).

Thaile Lopes, da direção estadual do MST no PR, explica a simbologia dessa variedade de comida boa e saudável. “É uma produção bastante diversificada que expressa a qualidade do produto da Reforma Agrária e produzida pelas mãos das nossas mulheres camponesas”, afirma.

As ações de solidariedade ganharam força entre as famílias Sem Terra desde o início da pandemia. As iniciativas foram uma das formas de resistência contra a fome que assola mais de 33 milhões de brasileiras e brasileiros, por consequência do desmonte das políticas públicas na gestão Bolsonaro. Mais de mil toneladas de alimentos foram doadas pelo MST no Paraná, desde abril de 2020.  

Apesar da chuva, os alimentos chegaram até as centenas de mulheres vindas da periferia de Curitiba e região, que participaram da marcha. Luana Menegassi 

Na luta por terra e incentivo à produção de alimentos saudáveis

Para as mulheres do MST no Paraná, as ações realizadas na tarde desta terça-feira fazem parte de uma jornada de três dias, iniciada nesta segunda e com programação até esta quarta-feira. Mais de 500 camponesas participam da ação, que integra a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra “O agronegócio lucra com a fome e a violência, Por terra e democracia, mulheres em resistência”. A centralidade das lutas e denúncias focam no problema da fome no Brasil, da violência e da destruição da natureza.  

Para além da negociação realizada no período da tarde, duas audiências ocorridas no pela manhã expressaram a força das mulheres. Cerca de 120 camponesas Sem Terra protagonizaram a primeira audiência de negociação de 2023 com o INCRA, na sede estadual do órgão, em Curitiba. 

Na plateia, camponesas vindas de todas as regiões do estado traziam em comum a urgência na consolidação das 83 comunidades ainda em condição de acampamento no estado. A pauta de reivindicações foi apresentada pelas companheiras Dilce Noronha e Jocelda Oliveira, da direção estadual do MST. 

“Que sejam suspensas todas as reintegrações de posses previstas para um período próximo, considerando que todas essas ocupações estão consolidadas em todos os aspectos da vida humana e são passíveis de destinação para reforma agrária”, dizia um trecho do documento entregue às autoridades.  Ao todo, 7 mil famílias Sem Terra vivem em acampamento. A maior parte das áreas têm de 10 a 20 anos, mas há casos de até 35 anos de demora da efetivação da reforma agrária. 

As mulheres protagonizaram a primeira audiência de negociação de 2023 com o INCRA. Fotos: Thea Tavares

Mirian Maria Kuntath, integrante do Setor de Educação do MST no PR, falou sobre a urgência da sessão das áreas para a construção e formalização de escolas e colégio do campo, a retomada de cursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), entre outras pautas. 

O superintendente substituto do INCRA-PR, Nilton Bezerra Guedes, garantiu que irá trabalhar pela criação dos assentamentos: “Nós temos que juntar as forças para combater isso. Queremos deixar como marca a regularização dos assentamentos”. Também participaram da audiência a deputada estadual (PT) Luciana Rafagnin, e servidores do INCRA.  

Já a produção de alimentos foi tema da audiência realizada também nesta manhã com a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Paraná (SEAB). Cerca de 90 mulheres Sem Terra entregaram pauta com as reivindicações das acampadas e assentadas da reforma agrária, para o desenvolvimento da agricultura camponesa. 

Cerca de 90 mulheres Sem Terra participaram da audiência com a SEAB. Foto Thainá Barbosa

Entre as demandas estão questões de infraestrutura nos assentamentos e acampamentos, de fortalecimento e fomento da agroecologia e atividades de produção administradas por mulheres camponesas. A pauta foi entregue ao diretor geral da Seab, Richardson de Souza, e apresentada pelas companheiras do Setor de Produção do MST Marli Brambilla e Cristina Sturmer. Também estavam presentes representantes do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR).

As companheiras de diversas regiões do estado que estavam na plateia relataram as demandas específicas de suas localidades e pontuaram a necessidade de programas e projetos sensíveis às realidades das mulheres Sem Terra e da produção agroecológica. 

Richardson ressaltou a importância da pauta apresentada e debatida e reafirmou o compromisso da Seab em dialogar e construir em conjunto com as mulheres do campo: “Nós aqui da Agricultura estamos, através de nossas chefias regionais, do escritório do IDR e nós mesmos aqui, abertos para discutir todas essas questões que preocupem principalmente o movimento de vocês.”

“O 8 de março ele abre nossa jornada de lutas, é um começo, então essa foi uma ótima abertura para os debates que vão vir. Certamente teremos outras oportunidades durante o ano de 2023 para dialogar e fazer todas essas questões que a gente colocou aqui frutificar em nossos territórios e a gente avançar em construir uma agricultura sustentável, que inclua as mulheres, jovens, pessoas LGBTs e que seja a cara do nosso estado do Paraná”, destacou Cristina no encerramento da audiência.

Além das negociações e da marcha unitária no dia 7, a programação da Jornada das Mulheres Sem Terra tem formações sobre a conjuntura atual, questão agrária e o enfrentamento à fome, as relações emancipatórias e o autocuidado. Nesta quarta (8), também haverá visitas a museus da cidade. 

Antes de voltarem para casa, as mulheres do campo também vão participar da marcha neste dia 8 de março no centro da capital, organizada pela Frente Feminista de Curitiba, RMC e Litoral. A manifestação terá concentração na Praça Santos Andrade, às 17h.  

*Editado por Fernanda Alcântara