Vitória Popular

MST comemora novo assentamento com ministro e mais de mil convidados, em Ponta Grossa (PR)

“Temos que estudar para que situações como essa não se repitam no nosso país”, disse o ministro Wellington Dias, do MDS, se referindo na efetivação do assentamento Emiliano Zapata
Registro da nova placa do assentamento, inaugurada neste sábado. Foto Roberta Aline / MDS 

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST

Após 21 anos de resistência, a comunidade Emiliano Zapata conquistou oficialmente o assentamento de 70 famílias camponesas, em Ponta Grossa, Campos Gerais do Paraná, neste sábado (16). A festa, aguardada pelas famílias Sem Terra por mais de duas décadas, reuniu mais de mil pessoas, com ato político, churrasco servido gratuitamente pela comunidade, feira da reforma agrária e da economia solidária e baile.  

Entre as autoridades presentes estavam Wellington Dias, ministro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); César Fernando Aldrighi, presidente nacional do Incra; Enio Verri, presidente da Itaipu Binacional; Leila Klein, superintendente estadual do MDS; Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Incra-PR; ex-governador do Paraná, Roberto Requião; Mônica Valério, do Banco e Brasil; os deputados estaduais do Paraná Professor Lemos e Dr. Antenor; além de representantes da Universidade Estadual de Ponta Grossa, sindicatos e movimento estudantil e popular urbano. 

Neumari de Souza Leite, camponesa coordenadora da comunidade e integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), lembrou emocionada os mais de 20 anos de resistência das famílias na área. “Tudo que conseguimos aqui foi com a força do povo e do MST. É um momento de alegria e cobrança ao poder público por incentivo à reforma agrária”. 

O ministro visitou a família de Ana Paula Lourenço Gotardo e Josué Araújo, e conheceu a produção agroecológica de mais de 20 variedades de hortaliças, comercializadas por meio da cooperativa da comunidade, a Cooperas. Os alimentos do assentamento chegam toda semana a 50 escolas públicas da cidade, e também a municípios vizinhos, por meio da articulação com outras cooperativas da reforma agrária da região. “É uma felicidade a gente poder mostrar de perto a nossa realidade e a nossa insistência e luta e conquista com a luta diária, o nosso sonho através da reforma agrária. Espero que ele consiga absorver”, contou Ana Paula, sobre a visita de Wellington Dias à sua casa e sua produção. 

Foto: Wellington Lenon
Foto: Paula Gobbo
Wellington Dias caminhou pela feira da Reforma Agrária e da Economia Solidária. Foto: Roberta Aline / MDS

Wellington Dias enfatiza a importância deste modelo de produção cooperativada da reforma agrária, com articulação de diferentes cadeias produtivas para atender a demanda alimentar do mercado regional e dos programas institucionais de alimentação escolar e de aquisição de alimentos.

A prioridade do presidente é acabar com a fome e aqui temos a solução. Precisamos acelerar o Pronaf, que proporciona moradia, tecnologia, o equipamento”. 

– Wellington Dias

Durante o ato público de celebração do assentamento, Wellington Dias falou da cobrança de Lula para a “regularização de todas as áreas que estamos devendo para trabalhadores\as”. O ministro se surpreendeu com a lentidão para efetivação do assentamento Emiliano Zapata, especialmente por se tratar de uma área pública. A falta de efetivação da Reforma Agrária fez com que as famílias fossem impedidas de acessar políticas públicas de apoio à produção, como o próprio Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf. 

“Eu pessoalmente sabia da luta de vocês. Não é razoável uma área federal levar 21 anos para chegarmos neste momento de regularização dessa área. Temos que estudar para que situações como essa não se repitam no nosso país […]. O Brasil é devedor do acampamento Emiliano Zapata”, frisou. 

O presidente do Incra, César Fernando Aldrighi, reconheceu o papel da reforma agrária para o enfrentamento da fome. “A gente sabe que a reforma agrária tem o papel de alimentar o mundo. O sentimento que eu tenho ao olhar pra vocês é que vocês representam a resistência. Eu quero voltar aqui para anunciar as construções das 50 casas, créditos e Pronafs”, disse, aplaudido pelo público. 

Aldrighi relatou o desmonte sofrido pelo Incra na gestão anterior, e garantiu o esforço em assentar as mais de 65 mil famílias acampadas no Brasil. “Este ano vamos assentar as famílias que estão esperando e ano que vem buscar mais terras para novas áreas de reforma agrária e assentar todas as famílias acampadas”.  

Visita à família produtora agroecológica. Foto: Ednubia Ghisi
Foto: Ednubia Ghisi
Foto: Leonardo Henrique

Roberto Baggio representou a direção nacional do MST durante o ato, e cobrou a efetivação do assentamento ainda. “As 80 que faltam ser regularizadas, e são iguais a essa aqui, estão produzindo, tem escola, tem famílias produzindo. Queremos fazer uma festa por semana. Nossa luta é por justiça, não estamos pedindo esmola, e sim políticas públicas, e precisamos conversar para ampliar esse conhecimento dos nossos direitos”. 

O dirigente relacionou a cobrança da efetivação da Reforma Agrária com a vitória histórica conquistada na Corte Interamericana de Direitos Humanos na última quinta-feira (14), sobre o caso do assassinato de Antonio Tavares e agressões a 185 camponeses, em 2000. A sentença condenou o Estado Brasileiro pela violência e reafirmou a legitimidade da luta pela reforma agrária. 

Ao final do ato, houve também uma homenagem ao professor, militante e amigo do MST Horácio Martins de Carvalho, que faleceu na manhã de sábado, por complicações de problemas de saúde. O professor se consolidou como um dos principais intelectuais do Brasil no tema agrário, dedicando parte dos seus estudos para a formação e articulação com os movimentos populares.

MDS e Itaipu assinam programa de fomento à agricultura familiar 

Durante o ato de comemoração pela criação oficial do assentamento, o MDS anunciou parceria a ser firmada com Itaipu Binacional para a inclusão de até 2.500 famílias paranaenses no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais.

O Programa do MDS, também conhecido como Fomento Rural, combina duas ações: acompanhamento social e produtivo e transferência direta de recursos financeiros não-reembolsáveis, no valor de R$ 4.600 por família, para que as famílias rurais mais pobres desenvolvam seus projetos produtivos. 

Durante a celebração do assentamento, o ministro do MDS anunciou parceria a ser firmada com Itaipu Binacional para a inclusão de até 2.500 famílias paranaenses no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais. Fotos: Wellinton Lenon

O anúncio foi feito pelo ministro Wellington Dias em conjunto com o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri. Caberá à Itaipu Binacional a viabilização do serviço de assistência técnica para apoiar as famílias na elaboração de projeto produtivo e ao MDS a disponibilização do recurso financeiro para apoiar a implementação do projeto.

O ministro também recebeu um documento com reivindicações da comunidade, com demandas relacionadas ao fomento da produção e infraestrutura. Wellington Dias garantiu apoio para efetivar o acesso ao Pronaf A e B, que atendem diferentes fases de desenvolvimento das famílias.

Ao longo de todo o dia, a festa continua com Feira da Reforma Agrária com alimentos agroecológicos do assentamento e de outras comunidades do MST, e da Economia Solidária, com participação da Feira Permanente da Economia Popular Solidária e da Associação das Feirantes da Economia Solidária dos Campos Gerais, a Rede Mandala, Black Quadros. 

Palestina Livre!  

MST também denunciou o genocídio em curso na Palestina, pelas mãos do Estado de Israel. A violência extrema se expressa pelo número de crianças mortas: em 4 meses de guerra, de outubro de 2023 a fevereiro de 2024, o número de crianças mortas na Faixa de Gaza foi maior do que o total de crianças mortas em todas as guerras do mundo durante 4 anos, de 2019 a 2022. Os números foram compilados pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

Mural em homenagem ao povo Palestino, produzido pelo militante do MST Celio Schimit, na parede externa do salão comunitário do assentamento. Foto: Leonardo Henrique  

Enquanto todas as guerras combinadas de 2019 a 2022 mataram 12.193 crianças, os quatro primeiros meses do conflito em Gaza tirou a vida de 12.300 crianças. Se acrescentarmos as mortes computadas em março, o número de crianças mortas em Gaza ultrapassou os 13 mil, de acordo com o Ministério de Saúde do enclave palestino, divulgados pela Agência Brasil. 

21 anos de construção da Reforma Agrária 

A comunidade Emiliano Zapata está localizada a 20 quilômetros do perímetro urbano de Ponta Grossa, rodovia do Talco, próximo ao Parque do Botuquara. Quem visita o local hoje, encontra uma grande diversidade de produção, casas estruturadas, espaço comunitário e cooperativa. É um cenário bastante diferente do que havia ali há quase 21 anos. 

Os 630 hectares de terra pertenciam à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), havia recebido por meio de doação pela União para a realização de pesquisas. No entanto, a área estava sendo utilizada para o monocultivo de pinus, voltado a interesses da iniciativa privada, além do plantio de soja e experimentos com sementes transgênicas. Parte da área também passava por ameaça de grilagem por fazendeiros da região.  

Fotos: Wellington Lenon

A área foi ocupada no dia 26 de agosto de 2003, desde então, se iniciou uma transformação, quando as famílias passaram a se dedicar à produção de alimentos, principalmente sem o uso de agrotóxicos. O desenvolvimento da produção ganhou impulso quando a comunidade conseguiu criar a Cooperativa Camponesa de Produção Agroecológica da Economia Solidária (Cooperas) em 2011, para comercialização de alimentos. 

Muito trabalho coletivo e cooperado possibilitou a entrada em programas nacionais como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e o de Alimentação Escolar (PNAE), com impacto direto na geração e na distribuição da produção. 

Somado a isso, a comunidade ampliou laços com o mundo urbano por meio de parcerias com diversos programas de extensão da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), como o Projeto Lama (Laboratório de Mecanização Agrícola), Iesol (Incubadora de Empreendimentos Solidários) e do Curso de Jornalismo, entre diversos apoios de entidades sindicais, religiosas e movimentos sociais de Ponta Grossa e região. 

Os camponeses que vivem no Emiliano Zapata já participaram das ações de solidariedade que estão sendo promovidas pelo MST desde o início da pandemia. São toneladas de alimentos produzidos pela comunidade e doados para famílias vivendo em vulnerabilidade na região urbana. 

*Editado por Fernanda Alcântara