Educação do Campo

Símbolo de luta da Educação do Campo, Escola resiste há mais de 30 anos no RS

Após 34 anos de fundação, EEEM Nova Sociedade do assentamento Itapuí, localizado em Nova Santa Rita (RS) é exemplo nacional e internacional
Foto: reprodução CPERS

Por CPERS

Há mais de 30 anos, a EEEM Nova Sociedade, de Nova Santa Rita, se consolida como um dos grandes exemplos, em âmbitos nacionais e internacionais, da Educação do Campo. Mas a sua história de luta e resistência começou antes mesmo de 1990, ano em que a escola foi criada. 

Em 1987, 15 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chegaram à região, oriundos do grande acampamento da Fazenda Annoni, em Sarandi, no norte do Rio Grande do Sul. As famílias acamparam no local até o ano de 1988, quando foram assentadas no que se tornou o Assentamento Itapuí. Dois anos depois, um decreto-lei foi publicado, dando origem à Escola Nova Sociedade. 

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“O nome dela traz uma simbologia, que é a nova sociedade”, destaca Elaine da Rosa, vice-diretora e orientadora da Escola. “Foi isso que as pessoas que vieram para cá vieram buscar: qualidade de vida, dignidade, uma sociedade justa, humana e igualitária. Foi isso que a comunidade que fundou essa escola acreditava”.

Hoje, 34 anos depois de sua fundação, a Nova Sociedade permanece carregando as lutas e pautas que a construíram. Reconhecida nacional e internacionalmente, a instituição tem como um de seus pilares pedagógicos a agroecologia, de maneira que se respeite as especificidades daqueles e daquelas estudantes que vivem no campo.

A atuação da instituição, vinculada à proposta pedagógica de defesa do meio ambiente, fez com que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) a premiasse com um selo, em virtude de um projeto sobre as agroflorestas. A escola é hoje parte da Rede de Escolas Associadas da instituição internacional. 

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“A agrofloresta e a agroecologia, nós fazemos porque temos identidade. Mas isso não é reconhecido pelo Estado, na matriz curricular”, conta Elizabete Witcel, vice-diretora da escola e supervisora. Essa falta de apoio do Estado para a Educação do Campo faz com que as trabalhadoras da escola sigam lutando pelo reconhecimento de um currículo específico da área. 

“Queremos que seja uma proposta da Educação do Campo voltada à realidade camponesa, que o calendário respeite as especificidades do campo, que sejam incluídas as disciplinas que tratam desse assunto, como a agroecologia, técnicas agrícolas… que se possa também fazer a capacitação profissional dos filhos dos agricultores, para que eles possam permanecer no campo”, defende Elaine. “Esse debate não se encara com a devida importância e é um desafio que a gente tem”.

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Elaine ainda relata que, apesar de normativas e uma legislação específica para a Educação do Campo já terem sido aprovadas, as diretrizes de base não são cumpridas. Ela ainda destaca todo o debate feito nos últimos anos sobre o Novo Ensino Médio (NEM), que chegou à escola sem qualquer adaptação para a realidade camponesa. 

“A luta por uma proposta de Educação do Campo já tem mais de décadas, e a proposta da Seduc desmonta a Educação do Campo, trazendo pessoas não vinculadas à história da comunidade”, desabafa a vice-diretora. 

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No final de março, uma reunião entre a Secretaria da Educação (Seduc) e os representantes da Educação do Campo, Clarisse TellesMunir Lauer e Elaine da Rosa, foi realizada para apresentar as demandas das escolas estaduais presentes nas áreas de assentamento no Rio Grande do Sul. O CPERS acompanhou a reunião e permanece alinhado à defesa de uma matriz curricular vinculada à realidade camponesa. 

Na terça-feira (9) da última semana, o Sindicato também esteve presente na EEEM Nova Sociedade para conhecer a comunidade escolar, na figura do 1º vice-presidente, Alex Saratt, e do dirigente, Leonardo Preto Echevarria

“Nossa visitação serviu para reforçar a importância da Educação do Campo e o trabalho desenvolvido pelas escolas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que desenvolvem um projeto político-pedagógico que alia teoria e prática, profundamente vinculado com a realidade das comunidades”, relata Alex.

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Sucateamento por parte do poder público

Hoje, a EEEM Nova Sociedade atende cerca de 250 estudantes, nas modalidades de Ensino Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos três turnos. Estima-se que 20% dos alunos(as) sejam assentados(as), ou que possuam vínculos com assentamentos. 

Apesar de possuir uma longa história e ser usada como exemplo nacional de Educação do Campo, a Nova Sociedade enfrenta problemas estruturais há mais de dez anos. A rede elétrica da instituição é a mesma construída há mais de 30 anos.

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Além disso, a escola não dispõe de banheiros dentro do prédio, já que a estrutura cedeu e o espaço nunca foi reformado. As alunas e alunos precisam usar os banheiros que ficam na quadra de esportes, mesmo em dias de fortes chuvas. 

As professoras relatam que a espera pelas reformas dos banheiros já passa de dez anos. Na última semana, o início das obras do sistema de esgoto foi aprovado, mas essas reformas não contemplam a parte dos banheiros. 

“Eu vou ter uma rede de esgoto e não vou ter banheiro”, conta Nilce Machado, diretora da escola.

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A instituição ainda segue funcionando com cozinha e refeitórios improvisados e danos na estrutura, como grandes rachaduras que podem ser observadas tanto na parte externa, quanto na parte interna do prédio. 

“A Nova Sociedade é uma escola de muita luta, e agora a gente vive essa crise estrutural. A gente faz tudo dentro de uma estrutura que, na real, não cabe”, conta Elaine.

“A escola do campo deveria ser muito tecnológica, ela deveria ter toda a estrutura tecnológica pedagógica. O que tem de inovação deveria estar numa escola no campo, afinal em uma escola como a nossa, teria que se trabalhar a questão da agroecologia, tendo um profissional da área, como engenheiro agrônomo ou técnico agrícola, que pudesse desenvolver um projeto da horta, de agrofloresta, fazer visitas à campo”.

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E, mesmo com pouco reconhecimento por parte do poder público, os profissionais que atuam na Nova Sociedade mantém a defesa do meio ambiente e de uma alimentação saudável, sem veneno, como bandeiras pedagógicas. O professor da EJA e vice-diretor da escola, Etelvino Romanzini, é um dos responsáveis por cultivar a horta, localizada ao lado da instituição. 

“Tu imagina se isso estivesse dentro do sistema, que a gente tivesse um profissional que pudesse ir à campo com os alunos, que pudesse ir para além da escola, para a casa do aluno, fazer a horta, fazer e multiplicar”, destaca Elaine. “A horta sempre foi um instrumento da escola, desde sua fundação. Deveria ter estrutura, por exemplo, uma horta precisa de estufa. As ferramentas e instrumentos a gente já tem, mas o manuseio da horta requer pessoas”.

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Por isso, as educadoras defendem que a escola continue tendo profissionais vinculados com a realidade camponesa, com pessoas que entendam a vivência do campo, afinal, a escola foi fundada e construída por assentados e filhos de assentados.

 “Queremos fortalecer essa identidade camponesa e trazer isso para a juventude camponesa. Mostrar que o campo é um lugar como qualquer outro, com as suas especificidades, mas um lugar possível de ter conquistas e ser feliz, de ter lazer, saúde e tecnologia”, defende Elaine.

Foto: reprodução CPERS

“Aqui só não fecha por resistência”, conta. “A gente acredita que, para se construir uma proposta de Educação do Campo, a gente precisa ser protagonista dessa história. Não podemos nos furtar da história que o próprio Movimento Sem Terra construiu nessa pauta. É isso que a gente vem reivindicando”, completa a vice-diretora.

A luta pela educação do campo se intensifica 

Entre os encaminhamentos tirados na reunião entre representantes da Educação do Campo e da Seduc, realizada no final de março, está a instalação oficial do Comitê Estadual de Educação do Campo, que tem previsão para ter sua primeira reunião ainda nesta semana.

Foto: reprodução CPERS

A proposta é que o grupo, formado por membros indicados por organizações da sociedade civil, construam um plano de trabalho para a Educação do Campo, com um currículo específico para essas escolas, abordando especificidades e diretrizes que envolvem essa modalidade, de forma que quem faz a Educação do Campo seja realmente ouvido. 

“A escola foi construída por companheiros que sonharam em construir essa nova sociedade. Chegar na terra depois de muitos anos de luta e ter a infraestrutura necessária para uma vida saudável e digna no campo. Isso é construir uma nova sociedade. O nome já diz tudo”, defende Bete, vice-diretora da escola. “O nosso papel, como educador nessa escola, é manter essa resistência, manter essa luta e essa identidade”, finaliza. 

Confira mais fotos da visita

Fotos: reprodução CPERS