Pesquisadora denuncia projeto Terminator do deputado Cândido Vaccarezza

Do Instituto Humanistas Unisinos (IHU)

Apesar de o Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB ter adotado uma moratória global conta a experimentação e o uso da tecnologia Terminator dez anos atrás, tramita no Congresso Nacional brasileiro dois projetos de lei que pretendem liberar o uso dessas sementes no país. As iniciativas são “extremamente preocupantes” e propõem a criação de uma “lei que é contra a soberania alimentar”, declara Silvia Ribeiro à IHU On-Line.

De acordo com a pesquisadora, a tecnologia Terminator foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine, propriedade da Monsanto, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Trata-se de uma tecnologia transgênica para fazer sementes suicidas: são plantadas, dão fruto, mas a segunda geração torna-se estéril, para obrigar os agricultores a comprar sementes novamente em cada estação”, explica.

Atualmente, seis transnacionais controlam as sementes transgênicas plantadas no mundo. Destas, cinco “têm patentes do tipo Terminator” e três “detêm mais da metade do mercado global de sementes (53%)”, informa. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Silvia critica os projetos de lei (PL) de autoria da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e do deputado Cândido Vaccarezza (PT) e enfatiza que, se o Brasil aprová-los, estará “entregando a possibilidade de decidir sobre a sua própria alimentação”.
 
Silvia Ribeiro é pesquisadora e coordenadora de programas do Grupo ETC, com sede no México, grupo de pesquisa sobre novas tecnologias e comunidades rurais. Ela tem ampla bagagem como jornalista e ativista ambiental no Uruguai, Brasil e Suécia. Silvia também produziu uma série de artigos sobre transgênicos, novas tecnologias, concentração empresarial, propriedade intelectual, indígenas e direitos dos agricultores, que têm sido publicados em países latino-americanos, europeus e norte-americanos, em revistas e jornais. Ela é membro da comissão editorial da Revista Latino-Americana Biodiversidad, sustento y culturas, e do jornal espanhol Ecología Política, entre outros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é a tecnologia Terminator?

Silvia Ribeiro –
Trata-se de uma tecnologia transgênica para fazer sementes suicidas: são plantadas, dão fruto, mas a segunda geração torna-se estéril, para obrigar os agricultores a comprar sementes novamente em cada estação. Ela foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine (agora propriedade da Monsanto) com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Cinco das seis transnacionais que controlam as sementes transgênicas plantadas em nível mundial têm patentes do tipo Terminator. A Syngenta é a que tem o maior número dessas patentes. As empresas que desenvolveram a tecnologia Terminator a chamaram de “Sistema de Proteção da Tecnologia”, porque ela serve para promover a dependência e impedir o uso de sementes sem lhes pagar royalties pelas patentes. Em seus primeiros folhetos de propaganda, elas asseguravam também que é para que “os agricultores do terceiro mundo deixem de usar suas sementes obsoletas”.

Nesse momento, elas mostravam claramente as suas intenções: acabar com as sementes campesinas e com o irritante fato de que a maioria dos agricultores do mundo (campesinos, indígenas, agricultores familiares) usam suas próprias sementes em vez de comprá-las no mercado.

IHU On-Line – Por que o Brasil tenta aderir à semente Tarminator se, no ano 2000, o Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB adotou uma moratória global contra a experimentação e o uso da tecnologia Terminator?

Silvia Ribeiro – A tecnologia Terminator é uma panaceia para as transnacionais de sementes, porque lhes permite aumentar de forma exponencial a dependência dos agricultores, já que estes estariam obrigados a comprar sementes delas a cada ano, porque as sementes se tornam estéreis depois da primeira colheita. Não é como os híbridos, que, na segunda colheita, dá menos quantidade ou uma qualidade diferente, mas é uma semente que “suicida”; ela se torna totalmente estéril.

Por isso, as multinacionais tentaram, desde a aprovação da moratória internacional no ano 2000, por diversas vias eliminá-la. Agora, isso se manifesta mais claramente no Brasil, onde existem duas propostas para acabar com a proibição do Terminator hoje existente.

Se isso for obtido, o próximo passo será o de que o Brasil tentará mudar a moratória em nível internacional, porque se não o fizer, ao aplicar a Terminator, violará a moratória. Por isso, a discussão sobre esse tema no Brasil tem uma relevância mundial.

IHU On-Line – Quais são as implicações das sementes Terminator para a agricultura?

Silvia Ribeiro – A Terminator impede um ato que é a base de 10 mil anos da agricultura: cultivar e selecionar sementes da própria colheita e replantá-las para a próxima. As sementes são a chave para toda a rede alimentar. Quem controla as sementes controla a cadeia alimentar.

Por isso, as transnacionais químicas têm tentado fazer isso nas últimas três décadas, monopolizando o mercado global de sementes, comprando a maioria das empresas de sementes. Hoje, somente três empresas transnacionais, cuja origem é a produção de tóxicos químicos e agrícolas (Monsanto, DuPont, Syngenta), detêm mais da metade do mercado global de sementes (53%) e, entre as 10 maiores, controlam 73% do mercado global de sementes comerciais.

Apesar desses números tão alarmantes, a grande maioria das sementes do mundo continua nas mãos dos camponeses e dos agricultores familiares, que usam suas próprias sementes ou as misturam ocasionalmente com sementes comerciais.

Além disso, os grandes agricultores, nas variedades que dão bom resultado, continuam usando parte de sua colheita como sementes para replantio. Por isso, as empresas querem usar medidas tecnológicas que lhes garantam maior dependência e controle.

A consequência de usar a Terminator é que um punhado de fabricantes tóxicos transnacionais irá decidir o que vai ser plantado e o que todos os demais irão consumir.

IHU On-Line – Que ameaças de extinção e de modificação as sementes Terminator podem causar à biodiversidade?

Silvia Ribeiro – Todas as variedades que comemos hoje em dia em todo o mundo estão baseadas na criação, seleção, ressemeadura e intercâmbio de variedades entre agricultores/as e indígenas, processo que continua vivo e atuante. As diferentes culturas, gostos, situações geográficas e climáticas, a pequena escala e a necessidade de prevenir as condições mutantes criaram uma enorme diversidade agrícola, que também maneja e interage com a biodiversidade natural circundante. Isso significa uma grande resiliência com variedades que resistem melhor ao frio ou ao calor, à umidade ou à seca, além dos diferentes gostos e propósitos.

As Terminator são sementes uniformes que vão acabando com a diversidade à medida que são aplicadas. Em parte, porque elas se baseiam em algumas poucas variedades selecionadas pelas empresas centralmente para todo o globo ou para grandes regiões. A uniformidade produz uma enorme vulnerabilidade e mais demanda de tóxicos, o que serve ao lucro das empresas.

Mas, além disso, a tecnologia é tão complicada (se baseia na ativação de uma cadeia de genes, com a aplicação de um tóxico externo antes de cultivá-la) que, se for aplicada, certamente falhará em parte. Isso significa que os cultivos adjacentes que forem contaminados com pólen com a Terminator vão morrer (alguns), e outros continuarão levando o gene sem ativá-lo, que poderia continuar cruzando até que um químico ou alguma condição ambiental (como maior frio, calor, umidade) desate a cadeia e os esterilize.

Embora os que promovem a Terminator digam que ela é para a “biossegurança”, na realidade ela multiplica os riscos: algumas plantas se tornarão estéreis, e outras continuarão se cruzando, disseminando a ameaça.

IHU On-Line – As sementes Terminator são usadas em algum lugar do mundo?

Silvia Ribeiro – Não, em nenhuma parte do mundo. O Brasil seria o primeiro país a aplicar essa tecnologia tão perigosa e imoral.

IHU On-Line – Por que o México apoiou o fim da moratória contra a semente Terminator em 2006?

Silvia Ribeiro –
A Terminator não é aplicada no México atualmente. Depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio do Atlântico Norte com os EUA e o Canadá (Nafta, em sua sigla em inglês), as transnacionais se apoderaram de quase todo o mercado comercial de sementes e insumos agrícolas no México e têm enorme peso sobre o governo.

O México, nas negociações de biossegurança, fala muitas vezes em nome dos interesses não do seu país, mas das multinacionais e dos Estados Unidos, que não fazem parte do Convênio de Diversidade Biológica, onde está a moratória da Terminator. Por isso, ele também permitiu experimentos com milho transgênico, mesmo sendo o centro de origem do milho, apesar da oposição da população, dos agricultores e dos consumidores.

IHU On-Line – Como você analisa a posição do Brasil com relação às sementes Terminator e o Projeto de Lei de Cândido Vaccarezza (PT) para liberar essas sementes?

Silvia Ribeiro –
Acredito que é extremamente preocupante, já que o partido é do governo e está promovendo uma lei que é contra a soberania alimentar, tanto no Brasil como no resto do mundo. Se o Brasil a aprovar, estará entregando a possibilidade de decidir sobre a sua própria alimentação. Além disso, a proposta de Vaccarezza argumenta que a Terminator é necessária para poder fazer plantas transgênicas “biorreatoras”, isto é, que produzam substâncias industriais e farmacêuticas etc. Isso, por si só, apresenta enormes riscos ambientais e de saúde por causa da provável contaminação das redes alimentares.

A proposta de Vaccarezza, que foi redigida por uma advogada da Monsanto, propõe que a Terminator seria para a “biossegurança”, porque evitaria a contaminação provocada por essas plantas de alto risco e de outras, como árvores transgênicas.

Mas, como expliquei antes, a Terminator nunca é uma medida de biossegurança, mas sim o contrário. Isso quer dizer que a proposta apresenta um risco triplo: que sejam cultivadas plantas que poderiam ser tóxicas para a saúde se contaminarem outras; que a Terminator seja aprovada (que, sem dúvida, será usada em todas as plantas, não só nessas, porque esse é o verdadeiro interesse das empresas); e que se incentive o uso de monocultivos de árvores transgênicas, que, a todos os problemas dos monocultivos, somarão o da contaminação transgênica e a esterilidade.

Sobre o processo, organizações brasileiras que acompanham o tema o descreveram assim: “Atualmente, a Lei de Biossegurança proíbe ‘a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso’ (art. 6º, Lei 11.105/05). Mas, mesmo sob o peso da moratória internacional e diante da atual proibição nacional, dois Projetos de Lei no Congresso tentam liberar as sementes Terminator no Brasil. Um é o PL 268/07, originalmente apresentado pela hoje senadora Kátia Abreu (DEM-TO), e atualmente de autoria do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR). E, em 2009, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que nunca atuou no campo da agricultura, apresentou o PL 5575/09, que prevê a liberação das sementes Terminator no Brasil. Em 2010, a Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia informando que o arquivo que está disponível no sítio da Câmara dos Deputados com a proposta do PL tem como origem o computador de uma das advogadas da empresa Monsanto! Esse Projeto de Lei foi muito questionado na sua tramitação na Câmara, mas, apesar disto, foi criada uma comissão especial para agilizar sua tramitação. Quando se cria uma comissão especial, o PL tramita em regime de prioridade, ou seja, diminui das 40 sessões da Tramitação ordinária para 10 sessões apenas!”.

Em junho de 2011, a Jornada de Agroecologia da Via Campesina no Paraná, com mais de quatro mil participantes, se pronunciou massivamente contra essas novas propostas de permitir a Terminator. O Seminário Internacional Cúpula dos Povos da Rio+20 Por Justiça Social e Ambiental, com cerca de 500 participantes, que foi realizada no Rio de Janeiro em julho de 2011, também se pronunciou.

As demandas ali propostas, para os poderes Executivo e Legislativo federais, foram:

– que o governo brasileiro mantenha o texto da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05) que proíbe a utilização de qualquer tecnologia genética de restrição de uso;

– que o governo brasileiro tenha uma posição firme e clara na Convenção sobre Diversidade Biológica para manter a moratória internacional às tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs), garantindo, como Estado-Parte da CDB, que a moratória também se aplica no Brasil;

– que o Congresso Nacional rejeite os PLs 5575/09 e 268/07 que tramitam na casa e que os senhores deputados Cândido Vacarezza (PT-SP) e Eduardo Sciarra (DEM-PR) arquivem esses PLs da pauta do Congresso, respeitando a moratória internacional à tecnologia Terminator e garantindo a soberania nacional em relação ao uso e reprodução das sementes, à segurança e soberania alimentar dos povos, e aos direitos dos agricultores, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade.

IHU On-Line – Como você recebeu a notícia de que Graziano da Silva assumiu a direção da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO?

Silvia Ribeiro – Acredito que Graziano da Silva deve afirmar claramente a mesma posição que o diretor anterior da FAO, ou seja, de condenação da tecnologia Terminator por ser uma ameaça direta à soberania alimentar.

IHU On-Line – Qual a sua expectativa com relação à Rio+20, que acontecerá no Brasil no próximo ano?

Silvia Ribeiro – Seria uma enorme contradição e uma vergonha internacional que um país que, pela segunda vez, será anfitrião de uma conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento esteja, ao mesmo tempo, adotando uma tecnologia como a Terminator, que traz consigo grandes riscos para o meio ambiente e para a biodiversidade, e é rejeitada por todo o resto dos governos do mundo.

E que, além disso, para se ajustar aos interesses de três, quatro empresas transnacionais de sementes, tente romper a moratória internacional, algo que poderia ter consequências devastadoras sobre a biodiversidade e a soberania alimentar, não só do Brasil, mas também de tantos outros países muito mais vulneráveis, que agora estão protegidos pela moratória internacional.