MST reorganiza brasiguaios e intensifica a luta pela terra no MS

A então nova e dura realidade dos brasileiros que emigraram para o Paraguai os obrigou a retornar ao país de origem sem nada nas mãos.

IMG_0041.JPG 
Da Página do MST

Na primeira semana de abril, cerca de 300 famílias Sem Terra abriram o 11° acampamento no estado de Mato Grosso do Sul, no município de Japorã, no distrito de Jacareí. 

Ao longo das próximas semanas, mais famílias devem se somar à luta. Para a direção estadual do MST, o alto numero de pessoas envolvidas apenas demonstra o quanto “desigual é o nosso Estado e que somente através de muita luta é que vamos conseguir mudar essa realidade”, disse em nota.

Atualmente mais de 2 mil famílias do MST estão acampadas em todo o estado, morando debaixo de lonas preta na luta contra o latifúndio improdutivo, a produção de monoculturas e contra os agrotóxicos.

Ao ser fronteira com Paraguai, o novo acampamento traz consigo uma característica particular: a história dos brasileiros que migraram para o país vizinho em busca de melhores condições de vida, mas a então nova e dura realidade os obrigou a retornar ao país de origem sem nada nas mãos.

Os brasiguaios

A partir dos anos 70 o governo paraguaio de Stroessner coloca em prática uma política de venda de terra para brasileiros. As propagandas de cunho político realizada pelo Paraguai conseguiu chamar a atenção de inúmeras famílias, sendo em suma do Estado do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. 

Os imigrantes eram em sua maioria pessoas que possuíam propriedades no Brasil, mas que não estavam conseguindo competir com os grandes latifúndios e a mecanização da agricultura, bem como os camponeses que tiveram suas propriedades alagadas pela construção da Usina de Itaipui em Foz do Iguaçu – PR.

Estes colonos venderam suas propriedades no Brasil e adquiriram terras no Paraguai, passando a cultivar principalmente feijão, arroz, milho, mandioca, cana, soja e algodão. A produção da soja vai desencadear um crescimento da produção agrícola e modernização dos meios de produção. A partir deste momento nota-se uma imigração em massa para o Paraguai. As terras adquiridas não possuíam escritura, era apenas emitido um título, que por sua vez não garantia a posse.

No entanto, com o passar dos anos começaram a surgir os primeiros problemas que vão acarretar no retorno destes brasileiros ao Brasil, podendo destacar como exemplo: a imposição de um governo ditatorial, violência policial, falta de documentos das propriedades rurais, emigrantes ilegais, baixo preço da soja e do algodão, pressão dos latifundiários sobre os camponeses para vender suas propriedades. A década de 70 e 80 neste sentido irá marcar o período de retorno destes brasileiros, os quais retornam ao seu país de origem sem posses e sem saber qual é sua identidade.

A década de 70 e 80 neste sentido irá marcar o período de retorno destes brasileiros, os quais retornam ao seu país de origem sem posses e sem saber qual é sua identidade. Nota-se que neste intervalo de tempo começam a surgir no Brasil com maior intensidade os movimentos de luta pela terra, como o maior deles, o MST e é nesse momento que essas duas histórias se cruzam por décadas, tornando-se uma só.

Para o retorno ao Brasil, os brasiguaios utilizaram duas “trilhas”, sendo uma por Foz do Iguaçu, que faz fronteira com o Alto Paraná e outra por Mundo Novo, oeste de Mato Grosso do Sul. Os brasiguaios se instalam principalmente nos Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul. Ambos os processos possuem diferenças, dentre elas: no Paraná o retorno ocorreu de forma desorganizada e sofreu com a repressão do governo brasileiro. Em compensação Mato Grosso do Sul por ser um Estado latifundiário foi procurado como primeira opção e a imigração ocorreu de forma organizada pelo MST e CPT.

Os brasiguaios, como são conhecidos os imigrantes brasileiros que se deslocam para o Paraguai, se apresentam as lideranças políticas brasileira no mês de abril do ano de 1985, quando aproximadamente mil famílias instaladas em um acampamento no pátio da prefeitura de Mundo Novo (MS), publicam um documento intitulado “Carta a população”, onde consta a realidade vivida por estes além fronteira e o anseio dos mesmos por adquirir um pedaço de chão em solo brasileiro. A organização do movimento se deu em terras paraguaias, quando as famílias foram cadastradas e organizadas.

Depois de quatro meses e meio de acampamento, os brasiguaios de Mundo Novo, recebem a notícia de que serão desapropriadas duas áreas de 13.621 hectares da Fazendo Horizonte e 4.840 hectares da Fazenda Escondido, ambas em Ivinhema. Todavia era pouca a terra oferecida a estes. Deste modo, é feita a organização para o deslocamento para o território conhecido também como Gleba Santa Idalinavii, que já havia sido ocupada um ano antes, porém sem êxito. Os brasiguaios assim passam a ocupar a Gleba Santa Idalina, até o momento em que o Governo do Estado e os representantes do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Ministério da Agricultura darem a posse definitiva aos camponeses. Segundo apurado por pesquisas, o Governador Wilson Barbosa Martins, tentou inúmeras vezes expulsar eles novamente, deste território, porém os brasiguaios tinham o apoio do então Presidente do INCRA, Nelson Ribeiro, mas não podiam plantar e colher nestas terras até a divisão dos lotes. A posse da terra, dos brasiguaios só acontece em junho de 1986, quando foi feito a distribuição dos lotes há 700 famílias. Porém muitos ficaram de fora destes assentamentos e continuaram sua luta constante pela Terra.

Em abril de 2015 o MST no MS resolveu chamar a atenção novamente para a realidade dos Brasiguaios, por isso a abertura desse novo acampamento, na fronteira. Com o intuito de que a história dos dois assentamentos se repita e novos brasileiros que foram expulsos do Paraguai, muitos que continuam nessa situação, possam ter a mesma oportunidades que algumas famílias tiveram no passado. A chance de ter seu pedaço de chão e de construir a sua história de dignidade.

O município também foi escolhido por outros motivos, o primeiro é porque existe uma perspectiva de compra de uma terra, por parte dos órgãos públicos responsáveis e isso dá esperança ao Movimento para que ali seja montado um novo e produtivo assentamento o outro é que no local também existe uma importante comunidade dos nossos irmãos indígenas e nós do Movimento, sabemos, respeitamos muito isso e queremos lutar lado a lado pela consolidação da demarcação deste território. Pelas informações que possuímos é que na região já existe uma área que foi considerada indígena e nós iremos fortalecer a batalha para que este território volte a ser deles.  

“Nós do MST somos irmãos de luta e de caminhada dos índios e sempre seremos companheiros e companheiras da constante batalha pela retomada de suas terras. O nosso sofrimento e sonho de um amanhã melhor é o mesmo”, continua a nota da direção estadual.

Os Sem Terra concluem reafirmando “a política ideológica do MST de lutar com todas as forças para construir uma Reforma Agrária Popular, democrática, que nos permita ter mecanismos para batalhar pela Soberania Alimentar que sonhamos, livre de agrotóxicos, igualitária, que dê condições reais para as famílias menos favorecidas terem uma vida melhor, com mais justiça social e dignidade”.