Pensamento Pan-africano é tema de debate na Escola Nacional Florestan Fernandes

“Se a gente quer transformar o pan-africanismo a um debate que sirva para a emancipação, temos que achar pontos em comum, que seriam a base para a ação coletiva“, afirma o professor Cosmas Musumali.

 

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Espaço possibilitou a ampliação da discussão com um olhar para a questão étnico-racial da sociedade brasileira.

 

Por Iris Pacheco
Da Página do MST 

 

Durante cinco dias representantes de movimentos populares, organizações e articulações do movimento negro no Brasil discutiram o pensamento Pan-africano na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema/SP. 

O evento realizado no início de setembro, de 08 a 13, possibilitou que diversos militantes tivessem um olhar mais aprofundado sobre o tema, considerando os desafios em relação à questão étnico-racial na sociedade brasileira.

Para o professor Muryatan S. Barbosa, da Universidade Federal do ABC (UFABC), construir esse processo é um primeiro passo fundamental, uma vez que, o Pan-africanismo ainda é pouco conhecido no Brasil. 

“Como tradição de pensamento o pan-africanismo é importante tanto teoricamente, quanto para a superação do eurocentrismo abstrato, mas político também no Brasil. A esquerda brasileira ainda é muito eurocêntrica. O pan-africanismo tem muito a contribuir para que consigamos prever os nossos problemas e soluções de outras formas, com novos olhos. A ENFF deu um primeiro passo e espero que vá dar muitos frutos pela frente nesse campo de pesquisa e político”, argumentou. 

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Para o professor Muryatan S. Barbosa, construir esse
processo de estudo sobre o Pan-africanismo é fundamental
no Brasil.

Já Rosana Fernandes, coordenadora Política Pedagógica da ENFF, comenta que a iniciativa  do Seminário sobre o Pensamento Pan-africano foi uma iniciativa nova, tanto para a escola quanto para o MST, por conta do amplo debate que envolve, mas que a presença de várias organizações do movimento negro possibilitou um outro olhar sobre o tema. 

“Para nós permanece a possibilidade de continuarmos construindo espaços como este, para ampliar a discussão, tanto do ponto de vista de estudar pensadores pan-africanos, mas também de olhar para a questão étnico-racial da sociedade brasileira, nos propondo a internalizar essa discussão dentro do próprio MST”, salientou.  

Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Erisvaldo Santos que também é Babalorixá do Ilê Axé Ogunfunmilayo (Casa de Axé Ogum Traz Alegria), na região metropolitana de BH, aponta o seminário como um marco para um novo momento da discussão racial junto à esquerda brasileira. 

“Durante muito tempo a esquerda em sua maioria, teve problemas em pautar a questão do racismo, da raça junto com a discussão de classe. Esse momento também reflete uma inflexão no que diz respeito à ideia que o marxismo é só classe. Conseguimos perceber que ele se atualiza, afirmando a centralidade da perspectiva de classe junto a outros elementos da estrutura de dominação e das relações de poder na sociedade capitalista”, pontuou. 

O pensamento pan-africano 

O pan-africanismo não se restringe a um processo histórico, é preciso entendê-lo como um movimento ideológico e político de emancipação dos africanos que também envolve as relações sociais de raça, classe e gênero, para assim enfrentar e superar as formas de opressão do capitalismo. 

O professor doutro, secretário geral do Partido Socialista da Zâmbia, Cosmas Musumali, dialoga sobre a construção dessa resistência em África e afirma que este é sobretudo, um movimento de emancipação. 

“Se a gente quer transformar o pan-africanismo em um debate que sirva para a emancipação, temos que achar pontos em comum, que seriam a base para a ação coletiva. Não tem jeito de encurtar o caminho, temos que debater juntos para entender as ideias que vão servir para a luta. É difícil construir consenso. Mas agora o MST está fazendo uma tentativa, ao proporcionar espaço para começar essa construção e minha vinda até aqui foi para isso”, ressaltou.

Para Cosmas, o pan-africanismo sobrevive hoje pelas oportunidades que foram dadas por diferentes pessoas, grupos e povos. O tratamento dado para as novas formas do pan-africanismo, seus problemas e desafios tem sido um processo construído conjuntamente. Ele lembra que “para o Brasil esse movimento é especialmente importante porque o país tem um número muito alto de descendentes africanos”.

Segundo Rafael Pinto, da coordenação estadual do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) e da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), essa iniciativa de localizar o pensamento pan-africano no centro do debate envolve um diálogo com outros movimentos, principalmente o movimento negro, que “coloca uma pauta histórica de construção internacional na perspectiva de emancipação dos povos, que permite o fortalecimento dos laços de solidariedade e a busca pelos caminhos efetivos de construção de uma sociedade justa, livre e igualitária.” 

 

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O debate sobre o pan-africanismo foi o primeiro passo para o desdobramento de inúmeros outros processos. 

Um encontro de gerações 

O público presente no seminário era diverso não apenas pelas organizações e movimentos dos quais fazem parte, mas foi verificado uma perspectiva de participação “intergeracional”, como definiu o Babalorixá Erisvaldo. 

Ao comentar sobre o movimento internacional levado por alguns pesquisadores de trabalhar a interseccionalidade entre classe, raça e gênero, o Babalorixá afirma que também houve “uma perspectiva intergeracional, pois tivemos pessoas de distintas idades demonstrando disponibilidade de assumir a possibilidade de mudança na sociedade brasileira, voltadas para as questões da luta popular por um governo verdadeiramente participativo, constituído pelas forças progressistas onde os jovens tem um papel fundamental”. 

Nesse sentido, Luma Vitorio do Levante Popular da Juventude, um movimento de jovens que sempre buscou construir o debate da questão racial dentro da organização, ressaltou a importância do espaço para a juventude. 
“É preciso cada vez mais aprofundar o estudo teórico para compreender a realidade em que estamos, a mesma que nos assola a cada dia e afeta a vida da juventude de forma direta, como o genocídio da juventude negra que só cresce. Só conseguimos combater isso com muita luta e ela deve ser também no campo da teoria para que embase nossa ação política”. 

A juventude segue sendo a maior parte das vítimas dos homicídios: mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Os números são veementes. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são pobres, negros e jovens das periferias.

De acordo com informações do Atlas da Violência do IPEA, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação aos outros brasileiros, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.

Gabriela Cristina, estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do Coletivo de mulheres negras, explica que aprender sobre o pan-africanismo é fundamental, pois ele oferece uma noção do que você deve lutar e que esta não deve ser somente uma experiência de ontem, ela tem que ser agora, pois propõe enfrentar o violento desenvolvimento do capitalismo. 

“Muitas vezes as organizações ficam lutando contra aquilo que não é principal, não é o inimigo. A gente tem que ir contra o capitalismo, que precisa do racismo e da desigualdade para acontecer. É preciso mudar esse paradigma”, argumenta. 

Desafios apontados 

Como resultado de um espaço que se coloca em construção no campo da classe trabalhadora, sobretudo dos movimentos populares, o debate sobre o pan-africanismo concluiu seu primeiro passo que propõe o desdobramento de inúmeros outros processos. 

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Cosmas lembra que “para o Brasil o pan-africanismo é
especialmente importante porque o país tem um
número muito alto de descendentes africanos”.

O professor Cosmas ressalta que a história é feita pelas massas e que o processo de luta e mudança deve ser iniciado agora, logo os valores construídos em um seminário como este vão criar possibilidades para os próximos quatro ou cinco anos. É algo gradual, permanente e contínuo. 

“Eu acredito que o debate sobre pan-africanismo no Brasil nunca mais será o mesmo depois desse seminário. Nós estamos apenas começamos, o caminho vai ser longo, mas vai trazer muito aprendizado”, concluiu. 

Nesse sentido, Rosana Fernandes afirmou que, ao mesmo tempo em que a iniciativa de realização do Seminário sobre o pensamento pan-africano se coloca como uma experiência nova, também apresenta para o MST o desafio de trazer esse debate para dentro da organização em uma dimensão ampla e aprofundada.  

Percebemos então, que os desafios postos são grandes e que é preciso se colocar em processo de construção permanente da consciência, em uma perspectiva descolonizadora, para se avançar no debate político ideológico sobre a questão, mas sobretudo, construir formas de exercitar esse debate em nosso cotidiano a partir do cultivo de valores socialistas que nos levarão à uma sociedade justa e igualitária. 

Amandla Awethu! Poder em nossas mãos! 

 

*Editado por Solange Engelmann​