Em Minas, acampamento Quilombo Campo Grande volta a ser tema de audiência

A área constantemente ameaçada de despejo, mais uma vez, será foco de audiência no dia 13 de novembro, em Campos Gerais. Em defesa do território, os/as Sem Terra anunciam plantio de 2 milhões de árvores
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Guaií – A semente boa que chega às suas mãos pela Cooperativa Camponesa.

Por Iris Pacheco
Da Página do MST

“…A terra guarda a raiz; da planta que gera o pão; a madeira que dá o cabo; da enxada e do violão…”

Terra, esse território que sempre foi fruto de disputa, mas que também gera vida, trabalho e renda, grita liberdade cada vez que um latifúndio tem suas cercas rompidas. As duas mil pessoas que vivem há 21 anos nas terras de uma usina falida, sabem o quanto de suor e sangue foi derramado para que o murmúrio das sementes não fossem caladas. 

No entanto, manter o grito da aurora ocupada tem sido a luta das 450 famílias produtoras do café Guaií, no Acampamento Quilombo Campo Grande, que há menos de vinte dias receberam com surpresa a intimação para comparecer na audiência de instrução nesta próxima quarta-feira, 13, referente ao caso da falida usina de Ariadnopólis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), que encerrou suas atividades em 1996, embora ainda possua dívidas trabalhistas que ultrapassam R$ 300 milhões. 
 

De acordo a advogada Letícia Souza, “a audiência de instrução é o momento em que o juiz ouve as partes e as testemunhas arroladas sobre os fatos constantes no processo, afim de produzir provas para comprovação da matéria de fato e de direito questionada na ação”.
 

Agendada apenas para março de 2020, Souza explica ainda que, “não é natural no mundo jurídico que esse tipo de adiantamento ocorra assim de forma tão repentina, inclusive quando se trata de causa complexa, como é o caso em análise”. Inclusive por que o caráter da audiência é de suma importância para as famílias Sem Terra. No sentido de que este é o momento em que, o direito de posse da terra estará sendo analisado. “Ou seja, será a análise dos elementos sobre quem de fato exerce a posse, o que não há dúvida de que lá estão mais de 450 famílias. O laudo socioeconômico elaborado por entidades de referência, afirmam que há pés de café com mais de 15 anos, bem como, a quantidade de toda a produção ali existente”, completa Letícia. 
 

Segundo Tuíra Tule, da direção regional do MST no sul de Minas Gerais, essa movimentação jurídica mexe subjetivamente com as famílias, mas objetivamente com a questão do trabalho. “Essa instabilidade com a questão permanente da terra nesse momento de pôr a semente no chão, preparar as mudas, preparar o solo é com intuito de desestabilizar a nossa produção, a organização e permanência sobre a terra”.
 

As famílias Sem Terra irão acompanhar a audiência em frente ao Fórum, onde realizarão um ato interreligioso e anunciam o plantio de 2 milhões de árvores nativas e frutíferas. A ação vai integrar o Programa Nacional de Reflorestamento, que o MST está criando e lançará em 2020, com objetivo de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos. 
 

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Viveiro na ocupação deve produzir as mudas em Ariadnópolis. Foto: Divulgação MST

“Nós do Quilombo nos comprometemos em iniciar o plantio de 2 milhões de árvores, no intuito de reafirmar nosso compromisso com a sociedade brasileira, de colocar a semente na terra e continuar construindo desenvolvimento a partir da produção agroecológica, gerando vida e trabalho para as 450 famílias que vivem em uma terra que antes era de um e hoje é de mais de 2 mil pessoas”, ressalta Tuíra. 

No mesmo período do ano passado, as famílias viveram dias de apreensão, luta e resistência. Após uma liminar de despejo ter sido aprovada pelo juiz Walter Zwicker Esbaille Júnior, através de uma operação jurídica em que retomaram uma liminar de despejo de 2012 e estava parada há mais de um ano para legitimar a reintegração de posse. 
 

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Militantes na última audiência em frente ao TJMG – Foto: Dowglas Silva

Entenda a história
 

As terras da antiga Usina Ariadnópolis eram administradas pela empresa Cápia, que entrou em falência em 1994. Nos anos seguintes os proprietários desmontaram a usina e retiraram todos os bens de valor do parque industrial, deixando a estrutura totalmente sucateada. Os trabalhadores/as ficaram desempregados e não receberam seus direitos. Segundo o Sindicato dos Empregados Rurais de Campo do Meio, aproximadamente 400 ex-trabalhadores/as da usina Ariadnópolis processam a empresa na Justiça.  
 

Eles/as não receberam a rescisão e descobriram que o FGTS e o INSS também não foram recolhidos. As dívidas chegam a R$ 300 mil em alguns casos. Foi então, em 1998, com a usina já improdutiva, que uma parte dessas famílias ocupou a primeira área dentro do perímetro de Ariadnópolis, às margens da represa de Furnas. Em 1998, 2005, 2007 e 2009 os/as Sem Terra acampamentos instalados dentro do terreno da usina, inclusive dos próprios latifundiários da região que já organizaram ataques contra as famílias. 
 

Porém, pra quem gesta a vida na terra, o coração se fortalece na chuva azul no milharal, na flor do café e feijão, então cada vez que o Estado e os fazendeiros agiam, mais o Movimento retornava na madrugada com o grito da aurora ocupada. 
 

Atualmente o MST organiza 10 acampamentos (Fome Zero, Resistência, Betinho, Girassol, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Sidney Dias, Irmã Doroty 1, 2 e 3) dentro do perímetro da antiga Cápia. Esse espaço é chamado de Quilombo Campo Grande, um nome que relembra a luta do povo negro contra a escravidão, que no passado também se organizou e constituiu um dos maiores agrupamentos quilombolas do Brasil, nove vezes maior que o de Palmares. Sua extensão ia do Triângulo Mineiro, passando pelo Sul e Sudoeste de Minas, até as áreas do nordeste do estado de São Paulo. Foi construído por negros escravizados, negros alforriados que sofriam com a capitação de impostos, e brancos pobres. Estudos falam de uma população de mais de 20 mil habitantes, no século XIX. Não por acaso, a história se repete como farsa nestas mesmas terras, onde há mais de 250 anos um povo explorado e injustiçado construiu um espaço coletivo para viver e trabalhar com dignidade. 
 

A primeira imagem é de 2004 e a segunda de 2017.  Após a ocupação, a área foi dividida em lotes produtivos.jpg
A primeira imagem é de 2004 e a segunda de 2017.  Após a ocupação, a área foi dividida em lotes produtivos.

“Aqui nós já produzimos 2 milhões de pés de café, plantamos mais de 70 mil árvores nativas de reflorestamento, quase 100 mil árvores frutíferas, nessas terras onde a única coisa que tinha plantada antes da usina falir era monocultivo da cana, nós já produzimos mais de 150 variedades de hortaliças, grãos, árvores nativas e frutíferas”, ressalta Tuíra. 
 

Os acampados tiram leite, criam gado, produzem milho, hortaliças, frutíferas diversas, além do café orgânico que deu origem à cooperativa Camponesa e à marca Guaií. Toda essa produção passou a movimentar a economia e o comercio da pequena cidade de Campo do Meio.
 

Conheça a cooperativa Camponesa, produtora do café Guaií aqui.
 

*Editado por Fernanda Alcântara