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“Este Vai Ser o Meu Movimento!” um testemunho sobre Pe. João Caruana

Confira o relato sobre o MST de Pe. João Caruana, que já não está entre nós.
Foto: Divulgação

Por Cesar Sanson
Da Página do MST

Bastava um encontro com Pe. João Caruana para não esquecê-lo. Inconfundível em seu sotaque e dicção, nem sempre era fácil compreendê-lo, ainda mais por sua fala rápida e entrecortada por mais de um raciocínio ao mesmo tempo. O seu entusiasmo e vibração, entretanto, eram contagiantes. Pe. João faleceu aos 81 anos na manhã desta terça-feira, 28 de junho, na cidade de Maringá (PR).

Maltês de nascimento mas apaixonado pelo Brasil, chegou ao país em 07 de setembro de 1984, dia da Independência. E é ele mesmo quem conta: “Não foi coincidência, eu planejei isto para me lembrar para sempre que eu vim neste país para servir a Igreja particular que está no Brasil”. Essa afirmação se encontra em um livro escrito por ele em 2017 e intitulado “MST, um outro olhar”. Nesta obra, Caruana deixa claro todo o seu amor pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Foi paixão à primeira vista. É ele, novamente quem fala: “O meu verdadeiro primeiro encontro com o MST como um todo, aconteceu quando eu participei, uns 30 anos atrás, no Primeiro Congresso Nacional do Movimento em Curitiba (1985). Eu lembro bem um número grande de ônibus, a maioria de modelo antigo, chegando com trabalhadores rurais de partes longínquas de todas as partes do Brasil! Lembro bem quando na conclusão do Congresso no Teatro Guaíra apresentaram no palco umas oito viúvas que tinham perdido os seus maridos na luta pela terra – cada uma contando como foi! Era um momento dramático!”

Continua Pe. João falando desse momento inesquecível: “Na composição da mesa, convidaram as lideranças presentes, entre outros estava Ulysses Guimarães que, na época, era figura central na política brasileira. Ficaram na minha memória duas decisões principais: A Assembléia foi perguntada: ‘Nós Vamos Comprar A Terra?’ e, com tudo mundo em pé, saiu o grito ‘NÃO!’ E logo veio a segunda pergunta: ‘E Nós Poderemos Vender A Terra’ e logo veio o grito: ‘NÃO!’. “Após estas duas respostas – o grito ainda está ecoando no meu ouvido, acredite se quiser – eu decidi: ‘Este Vai Ser o Meu Movimento!’”, diz Pe. João Caruana.

Caruana apoiava incondicionalmente os movimentos e as pastorais sociais não apenas com as palavras, mas com a presença. Nos lugares em que trabalhou sempre se empenhou para que se organizassem as Ceb´s, a Pastoral da Terra e a Pastoral Operária. Tinha um orgulho enorme da Igreja brasileira. Em seu livro destaca: “É gratificante ver que as lideranças principais, quase todas, afirmarem que a origem deles vem das comunidades eclesiais de base, pastoral da juventude, grupos de reflexões – enfim, fruto da teologia da libertação, tão discutida e mal-entendida pela maioria dos católicos”.

O livro do Pe. João Caruana termina com uma declaração de agradecimento ao MST: “Lendo e relendo o livro até chegar a última versão, lendo especialmente as contribuições de tantos escritores, lutadores e teólogos cresci para admirar e entender o que estas famílias que compuseram o Movimento durante as décadas tentaram e conseguiram fazer. Obrigado!”.

Nós é que agradecemos Pe. João por sua existência, o seu testemunho, o seu amor pelos camponeses, indígenas e trabalhadores brasileiros.

*Editado por Fernanda Alcântara