Criação de cabras é setor em desenvolvimento no sertão e semiárido nordestino

Região detém 90% do rebanho nacional de caprinos com potencial para a produção de leite, queijos, carne e couro; maioria dos produtores são da agricultura familiar
Capril, queijo de cabra produzido no Assentamento Che Guevara, em Casserengue, Paraíba. (Foto: Acervo MST/PB)

Por Lays Furtado
Da Página do MST

Os rebanhos de cabras e ovelhas respondem melhor do que o de bovinos no sertão e semiárido nordestino. Caprinos e ovinos são adaptados às condições climáticas de escassez de chuvas e à alimentação baseada em pastagens típicas da Caatinga: palma forrageira, leucena, vagem da algaroba, feijão guandu, mameleiro, entre outras plantas protéicas predominantes nesse bioma.

Entre 2006 e 2017, o Nordeste brasileiro foi a única região onde os rebanhos de caprinos e de ovinos cresceram ao mesmo tempo. O rebanho de caprinos teve aumento de 18,38%, passando de cerca de 6,4 milhões de cabeças para 7,6 milhões, com 90% do efetivo do rebanho nacional.

No caso dos ovinos, o Nordeste foi, ainda, a única região do país a ter crescimento de rebanho entre um Censo e outro, passando de 7,7 milhões de animais em 2006 para cerca de 9 milhões em 2017. Um crescimento de 15,94%, concentrando 65% do rebanho de ovinos do país. É o que revela o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017.

Em artigo sobre o tema, João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco aponta que a rentabilidade da criação de caprinos no Nordeste está calcada em três fatores principais: a produção do leite, da pele e da carne. “Minimizar o interesse ou mesmo excluir um desses fatores do processo produtivo, certamente trará para o produtor insucessos em sua criação. Nesse caso específico, a agregação de valores nos produtos gerados nesse tipo de pecuária (de múltiplas funções) é a condição vital para o seu sucesso”, escreve o engenheiro.

Com a redução da pecuária bovina no Brasil nos últimos anos e drástica queda de rebanho na região Nordeste, as culturas pecuárias de animais de pequeno porte têm sido uma solução de subsistência e renda para pequenas(os) produtoras(es). Por outro lado, o panorama geral do Censo mostrou que a caprinocultura brasileira obteve um crescimento de 16% do efetivo do rebanho, quando comparado ao Censo anterior, divulgado em 2006.

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O crescimento do rebanho que alcançou 8,25 milhões de cabeças foi acompanhado do aumento do número de estabelecimentos agropecuários, e do crescimento do número de caprinos comercializados. A cifra de R$ 290 milhões em 2017 supera em cerca de 300% a verificada em 2006 (R$ 73 milhões). Já o preço médio de venda dos animais passou de R$ 63,64 para R$ 153,06, correspondendo a um aumento nominal de 14% ao ano. O valor médio do litro de leite alcançou um aumento nominal de 76% no período, passando de R$ 1,22 para R$ 2,15/litro, representando uma taxa de crescimento de 6,94% ao ano.

“Enquanto as demais regiões do país, como Sul e Sudeste, apresentaram redução do rebanho, a região Nordeste apresentou um crescimento de 18%, mesmo após os últimos cinco anos de secas severas registradas na região, evidenciando a grande adaptabilidade do rebanho, e em muitos municípios, constituindo-se em uma das principais fontes de segurança alimentar e de renda para os agricultores”, ressalta o engenheiro agrônomo Cícero Lucena, analista da Área de Transferência de Tecnologia da Embrapa Caprinos e Ovinos.

Leite e queijo de cabra ganham destaque no mercado de alimentos saudáveis

A produção de lácteos de cabra pode ser impulsionada pelo mercado voltado cada vez mais para a produção e consumo de alimentos saudáveis e diversificados. O leite caprino chega a ter 30% menos colesterol que o de vaca, é mais proteico e possui menor teor de lactose, sendo absorvido no organismo mais rapidamente do que o leite bovino – apontam nutricionistas.

O leite de cabra é um dos produtos mais importantes da caprinocultura. Mesmo com a tendência de alta procura de uma maior diversidade de produtos lácteos no mercado, a produção de leite de cabra e seus derivados têm caído nos últimos anos, considerando a perda de 30% do índice alcançado de sua produção nacional. Dessa forma, o número de estabelecimentos que declararam produzir leite de cabra reduziu de 18 mil para 15,7 mil propriedades. Esta retração reflete diretamente na quantidade de leite produzido, beneficiado e comercializado.

Na região Nordeste, a queda na produção foi de 34%, sendo a maior registrada na Bahia (-60%), segunda maior bacia leiteira do país. A redução na região foi atenuada pelos crescimentos de 26% no Estado da Paraíba e de 16% em Pernambuco, respectivamente, primeiro e quarto maiores produtores de leite de cabra do país.

Por outro lado, mesmo com a redução do volume de leite produzido, o Censo Agropecuário 2017 revela uma tendência de melhoria na inovação tecnológica das propriedades produtoras de leite, que apresentou uma produtividade média de 237,9 litros de leite/cabra/ano, contra 231,2 litros/cabra/ano verificados em 2006. Apesar de não ser um aumento ainda muito expressivo, tem sido atribuído ao melhoramento genético das cabras leiteiras.

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“A caprinocultura é o desenvolvimento do Nordeste”

Augusto Belarmino de Souza, caprinocultor e assentado pela Reforma Agrária no Assentamento Che Guevara, em Casserengue, Paraíba, dedica-se à caprinocultura leiteira desde 2008 e diz não ter dúvidas sobre os benefícios que essa cultura pecuária oferece.

Em sua parcela de 16 hectares de terra, Augusto já experimentou a criação de gado e de ovinos para corte e leite, mas obteve mais vantagem com as cabras e uma produção agroecológica, que gera emprego e renda em seu próprio lote.

Rebanho da caprinocultura do Assentamento Che Guevara, na Paraíba, onde produzem leite e queijo de cabra que abastecem o comércio local e as escolas. (Foto: MST-PB)

Mesmo vivendo em uma região Semiárida, com escassez de água e forragem, assentadas(os) encontraram viabilidade de seu sustento e renda  apostando na cultura da produção de lácteos de cabra.

As produções de leite e queijo pasteurizados são distribuídas em comércio local, associações, creches e escolas. O principal meio de comercialização é fomentado pelo Programa do Leite (PAA Leite), uma das modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltado para os segmentos populacionais vulneráveis, fortalecendo a agricultura familiar e reduzindo a vulnerabilidade gerada pela insegurança alimentar, em combate à fome e à desnutrição infantil.

Lançado em 2003, em conjunto com as políticas do Programa Fome Zero, do governo Lula, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) chegou a destinar R$ 1,2 bilhão em recursos a 128.804 famílias agricultoras pertencentes aos grupos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Em 2019, o número caiu para um total de 5.885 agricultores familiares. Para 2020, foi previsto pelo atual governo na Lei Orçamentária Anual (LOA), a destinação de R$ 101 milhões ao programa.

Essa redução drástica também é notada no volume de alimentos comercializados pelo programa. Em 2012, foram comercializadas 297 mil toneladas pelo PAA. Já em 2019, o número despencou para apenas 14 mil toneladas, o que significa que em 8 anos, a aquisição de alimentos e execução do orçamento do PAA caiu mais de 90%. O aumento dos recursos para compras públicas pelo PAA foi um dos itens vetados pelo presidente Jair Bolsonaro na Lei Assis de Carvalho (735/20), para socorro aos trabalhadores da agricultura familiar, em meio à pandemia do novo coronavírus. Mesmo assim, pequenas(os) produtoras(es) continuam a buscar alternativas de vida e renda a partir da produção camponesa.

Augusto conta que a caprinocultura é cultural na Paraíba, estado que é um dos maiores produtores do segmento no país. “Outra coisa que é fundamental de falar é da geração de renda. Hoje eu crio 37 cabras no mesmo espaço pequeno onde antes eu mantinha só três vacas leiteiras. E ainda sobra espaço para armazenar água, comida seca e tudo.”

Utilizando-se do sistema de rebanho semiconfinado, ele reduz a degradação do solo e contribui para o manejo da Caatinga – o torna a sua produção ainda mais viável e sustentável.

“E aqui a gente ainda faz o manejo agroecológico e orgânico. Faço o uso da palma, da leucena, faço o estoque de forragem com o silo que elas estão comendo hoje. Para nós a caprinocultura é o desenvolvimento do Nordeste”, avalia o caprinocultor Augusto de Souza.

*Com edição de Ludmilla Balduino